4 de setembro de 2008

coisa de gente

A mulher entrou na sala e fechou a porta. Nesse dia, havíamos eu e alguns poucos alunos. Ela disse que era uma psicóloga e pediu pra gente fechar os olhos. Fechar os olhos e refletir. Foi meu primeiro contato com uma psicóloga, com o que ela dizia ser psicologia e eu devia ter uns doze anos e não sabia o que era refletir. De qualquer forma, não tive medo de fechar os olhos. Eu fazia isso todo dia quando ia dormir. Ela então foi ajudando. Não lembro exatamente o que ela falou. Eu também não lembro geralmente de quase nada. Acho que ela falava pra gente pensar sobre o que tava passando na nossa cabeça. Então depois de alguns minutos eu fui começando a entender o que era esse negócio de refletir. Fechar os olhos pra pensar. Ninguém falava nada. Só a mulher com uma voz branda ia conduzindo aquela experiência. Depois que ela mandou agente abrir os olhos, tive a sensação de que aquilo tinha sido, de fato, algo absolutamente novo. Acho que foi um mergulho dentro de mim. Um mergulho raso, segurando na bóia, coisa de iniciante.
Mas antes de ser cobaia nesse experimento científico, acho que já tinha feito algumas reflexões na minha vida. Sobre o mundo e sobre mim. Quando eu tinha uns cinco ou seis anos, minha mãe falou que a vida era uma luta. Com minha mente infestada de desenhos animados, eu imaginava que a luta que ela falava era um monte de gente brigando a murros. Acho que essa foi minha primeira projeção de futuro. A vida seria um lugar onde as pessoas agiam com violência pra conseguir alguma coisa. Parece que não errei muito. É engraçada a descoberta da vida e de nós mesmos. Descobrimos que temos mãos, rosto, que podemos andar, pular, correr, mas não voar. Descobrimos que pertencemos a uma família, que existe vizinho, que podemos fazer amizades, escolher algumas coisas, que sonhamos. Descobrimos que moramos fora e não dentro da Terra. O tempo vai passando e descobrimos que temos sentimentos, que gostamos de alguém, que podemos sofrer, que tudo tem limite, que as coisas mudam, que um dia vamos ficar velhos, que os adultos praticam uma coisa chamada sexo. Descobrimos que as pessoas mentem, podem matar e que nem sempre nos querem bem. Descobrimos que o futuro é incerto, que os políticos são corruptos, que mãe só existe uma, que a vida é passageira, que tudo na natureza nasce, cresce, se reproduz e morre. Descobrimos que o espaço é infinito, que existem guerras, que na sociedade há dominantes e dominados e que nem tudo tem resposta.
Não sei se a psicóloga lá da quinta séria me ajudou em alguma coisa. O que sei é que a vida é cheia de cenários que construímos e desconstruímos para depois construir de novo.

2 comentários:

Anônimo disse...

- lindo, lindo e lindo!!
é, refletir nos traz coisas de dentro de nós mesmos que nem imaginamos que existem...
Na verdade, eu tento refletir...
Se consigo plenamente não sei, mas eu tento! rsrs

Kisses!

Kenia Mello disse...

Tenho pensado nesses dias e o comentário da sua mãe sobre a vida me fez lembrar novamente como é impossível para uma criança na idade da minha filha (4 anos e 8 meses) entender metáforas.
É muito interessante quando você deixa escapar algo do tipo e vê a perplexidade estampada no rostinho infantil.

Beijo.