5 de setembro de 2008

No meio do caminho, um cavalo

Era noite quando meu pai chamou a mim e a minhas irmãs no quarto para assistir a um filme. Eu grudei meus olhos numa tv Sanyo colorida 14" para assistir aquele filme fantástico que fez parte da vida, das brincadeiras, dos sonhos e da imaginação da galerinha anos 80/90. Era Superman. Acho que o ano era 1986 e eu teria uns 6 anos. Naquele quarto pequeno, eu vi pela primeira vez o homem que vestia uma capa vermelha, tinha um S enorme no peito, voava e tinha super-poderes. Quando Christopher Reeve caiu do cavalo e ficou tetraplégico, fiquei emocional e intelectualmente inconformado. Pra mim, a maior ironia da vida, da história da humanidade e do cinema mundial foi aquele homem extraordinário, vindo de outro planeta, com super-poderes para proteger a humanidade e lutar por justiça, agora, não ter poderes sequer pra andar. A imagem do homem-de-aço numa cadeira de rodas, que mal conseguia mover o pescoço, na verdade provocou um choque na mente de milhões de habitantes de nosso planeta. Claro que o ator não era o homem de aço, mas nossa mente tende a associar as coisas. O cérebro humano absorve qualquer imagem como verdade, tende a misturar fantasia e realidade como se a mesma coisa fossem. É evidente que distinguimos uma coisa da outra. Mas, mesmo fazendo a devida separação, o fato é que mito já havia sido criado. Mesmo sabendo que o ator e personagem eram indivíduos distintos, toda a simbologia do supremo protetor da América, de alguma forma personificada, encarnada no ator, fazia parecer que o homem de aço é quem tinha caído do cavalo. A mente precisava de um tempo pra descontruir a fantasia.
Descontruir. Penso que esta seja uma das atividades que mais fazemos no decorrer da vida. Quando crianças construímos um mundo. É certo que a criança tem muitas dúvidas, mas de um modo geral, o mundo da criança é mais coeso. O mundo é entendido de uma forma mais simples e coerente. Um mundo dado, onde tudo funciona de forma harmônica. O mundo pra criança é algo que sempre existiu e sempre existirá. Mas o tempo vai passando e o mundinho infantil vai começando a sentir seus primeiros abalos sísmicos. Mais à frente, algumas tempestades e terremotos e, pronto, um mundo foi desconstruído. Mas mundo é algo muito grande. Talvez por isso, não é todo dia que desconstruímos um. Mas não é por isso que deixamos de desconstruir durante o resto da vida. Desconstruímos e reconstruímos nossa visão sobre tudo que existe num processo contínuo e interminável de resignificar as coisas. As coisas acontecem lá fora nos forçando a repensar. Tenho a sensação de que desconstruo com frequência. Não no sentido de reviravoltas. Mas as coisas vão ganhando novos contornos, surgem novas cores, novos contrastes, linhas se quebram ou se alongam, ganham novos tons, nova textura sem, necessariamente, mudar sua essência. É certo que as experiências que passamos vão moldando e definindo nossa percepção, alterando nossa forma de interpretar e compreender as coisas. Eu acho que nunca olho pra uma foto e percebo a mesma coisa. Eu mudo e a foto muda também. É algo sutil.
O que falar então das pessoas e dos eventos sociais, que diferente de uma fotografia não estão parados no tempo? Estamos diante do caos. Precisamos organizar mentalmente o caos. A realidade se apresenta fragmentada e eu preciso formar uma figura coesa. Eu preciso de uma fotografia do mundo e acreditar que o mundo seja aquela fotografia. Se diante do estático mudamos nossa forma de enxergar conforme o tempo passa, diante do caos parece que queremos o estático. De qualquer forma, me parece que ambos envolvem desconstrução. Alguém já disse que nossa mente não gosta de ambigüidades. Precisamos formar modelos mentais coerentes. O problema é quando imaginamos que o mundo se resume às nossas fotografias.
Acho que com tantas mudanças que vivemos nos sentimos na verdade impelidos a desconstruir quase sempre. As pessoas discutem a todo momento o papel do indivíduo na sociedade, do governo, da tecnologia, da ciência, do trabalho, da família.
Enfim, é desconstruindo que temos a possibilidade de redescobrir.
Pelo menos, na minha cabeça, super-homem não é o único mito que precisa cair do cavalo.

2 comentários:

Anônimo disse...

" O mundo pra criança é algo que sempre existiu e sempre existirá. Mas o tempo vai passando e o mundinho infantil vai começando a sentir seus primeiros abalos sísmicos."

Digno de uma citação!
Digno de um livro!

Meeeo! Começe a escrever agora!

Kisses!

Já disse que amo suas palavras???

Homenzinho de Barba Mal feita disse...

Quando criança tinha um sonho de ser bombeiro, queria ser um super herói, foi difícil aceitar que não tenho super-poderes.


Abraços!!!