4 de setembro de 2008

melhor a curva

O mundo não é uma bola oval por acaso. Num Roda Viva este ano, o professor de dança Ivaldo Bertazzo, num certo momento da entrevista, deu um pulo da cadeira para imitar a postura corporal, geralmente comum aos meninos da periferia que participavam de suas aulas. Como não posso fazer o mesmo aqui, peço que imaginem a figura de Smeagol. Isso mesmo, aquela criaturinha do filme Senhor dos Anéis de corpo rígido, corcunda, que falava com a cabeça esticada para a frente. Foi mais ou menos essa imagem que o professor reproduziu. O que ele queria dizer é que não encontrava suavidade na expressão corporal daqueles meninos. Diante dessa rigidez, Ivaldo dizia que se tornava difícil ensinar a esses meninos movimentos aparentemente simples como estender os braços com a leveza com que faz um bailarino. Acho que não é uma questão só de corpo, mas de pensamento também. Pensadores e estudiosos de diversas épocas têm percebido a íntima ligação entre corpo e pensamento, indicando que quanto mais travado for o corpo, menos o pensamento flui, menos estaríamos abertos a novas idéias. O sentido inverso também seria verdade. Em Ecce Homo, Nietzsche soltou que um homem de corpo rígido também pensa de forma rígida. É certo que ele não revelou nenhum mistério da humanidade. Talvez tenha chegado a essa conclusão observando seu avô. Não parece estranho que agente vai ficando velho, sedentário e, enfim, um cabeça dura. Nesse ponto de vista, flexibilizar o corpo funcionaria também para flexibilizar a mente. Ninguém pensa direito com um corpo tenso. As idéias não fluem quando o corpo está enrijecido. Como Ivaldo tava falando em periferia, me veio à mente o Hip Hop. Acho legal e importante a atitude de crítica social promovida por esses caras. Eu também adoro fazer isso. A minha desconfiança é de que o discurso, em geral, naquelas músicas, querendo ou não, acaba assumindo uma forma rígida, da mesma forma, como a dança é rígida, com aquele movimento de braços que só me lembra um juiz martelando uma sentença. Não estou querendo que o Hip Hop mude suas idéias. A pergunta que me faço é se uma mudança na coreografia mudaria alguma coisa dentro daquelas cabeças. Pensei em outros casos. O exército, por exemplo. Soldados com movimentos mecânicos, metódicos, e aquela mentalidade estreita de mundo que só enxerga ameaça e conspiração. Ou, no extremo, falarmos de governos autoritários, ditadores feito Hittler: gestos sempre robóticos, verdade absoluta. Outra coisa são as estátuas. Uma estátua não simboliza apenas personificação do poder e culto à personalidade. Sem dúvida, a rigidez duma estátua simboliza também o esforço de perpertuar uma ideologia. Domenico de Masi, num livro sobre grupos criativos, fala da linha reta em oposição à curva e cita um pensamento de Oscar Niemeyer: “Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu País, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o Universo - o Universo curvo de Einstein.” Dessa forma, o autor associa a criatividade, o pensamento livre e flexível à linha curva, à quebra da rigidez do que é reto. Ainda que alguns defendam que a linguagem do universo seja pura matemática, prefiro a perspectiva de Niemeyer. Apesar de toda lógica por traz do universo, pelo menos as nuvens que conheço não formam figuras geométricas. Seria um tédio olhar pra uma nuvem e ver um triângulo.
Se o universo de Einstein é curvo, parece também cabível a sugestão de flexibilizar o corpo.

Talvez, isso nos ajude a pensar de forma mais livre e abrangente.
Só não me peçam pra fazer Ballet.

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