9 de junho de 2009

como uma sombra no ar


Num texto sobre o acidente do airbus , voo 447, Aline tocou num tema que me chamou atenção. Ela disse que os mortos nesse voo tinham personalidade. Ela analisou a forma diferenciada com que a mídia trata a morte de alguns, a das pessoas bem sucedidas socialmente, em relação a de outros, a dos pobres. Falou dos nodestinos mortos nas últimas enchentes, que não eram vistos como sujeitos individualizados, mas sim como um único corpo. Eu comentei com ela sobre essa visão que temos do pobre como massa, e que seu texto havia me lembrado um livro que dizia que no Brasil, o criminoso que tinha dinheiro era identificado pelo nome, profissão, título. Já o pobre, era apenas o 'elemento'.

Ao pobre realmente é negado personalidade, com se não bastasse lhe negar tantas outras coisas. Na verdade, não sei qual o pior para um indivíduo. Se é lhe negar posse de bens materias, ou destituí-lo de personalidade, identidade social, individualidade. Que importância social se pode dar a um ser - que aqui já não pode mais ser chamado de indivíduo, já que não possui mais individualidade - ao qual lhe é negado sua própria existência social? É interessante lembrar que já a partir do nascimento, é atribuído ao ser humano personalidade jurídica, o que significa a condição para adquirir direitos e contrair obrigações. Mas esse tipo de personalidade, pelo seu caráter meramente jurídico, não faz muita diferença na vida do pobre. Pode-se comparar essa situação à questão da igualdade de todos perante à lei. Mais uma vez o pobre se movimenta na dimensão jurídica, quando o que se pretende e o que, de fato, faria diferença para sua vida seria possuir personalidade ou identidade e igualdade na dimensão social. Embora detentor de direitos, ao possuir personalidade jurídica, e igual aos outros no âmbito legal o pobre, sob o olhar social, continua sendo ninguém, ou apenas uma sombra, a de todos que lhe são iguais na pobreza. Destituir, socialmente, um sujeito de personalidade é um ato de violência, no mínimo. Isso porque, num país como o nosso onde é costume se fazer perguntas do tipo: ''você sabe com quem está falando?'', talvez seja o mesmo que lhe conferir uma certidão de óbito pregada na testa. Mas há uma forma de compensar. Se não temos uma identidade individual para dar ao pobre, vamos dar pelo menos uma coletiva. O menino que nasce na favela, portanto, geralmente não é identificado por caractísticas pessoais, como traços de sua personalidade ou aptidões intelectuais, mas por elementos como time de futebol ou estilo de música. Pelo menos, algo pra se contentar.

Quando entrei na faculdade, a aula inaugural foi com uma senhora, aparentemente louca, pelo forma como estava vestida, colares, cabelo assanhado e gestos desmedidos. Mas não era louca. Durante a aula toda ela nos fez refletir, através de algumas brincadeiras, sobre a complexidade do ser humano. Ela usou uma bonequinha russa, daquelas que na verdade são cinco, uma dentro da outra para simbolizar que possuímos várias dimensões como seres humanos, feito a espiritual, emocional, intelectual, etc. Para a faculdade, era importante que o aluno tomasse consciência de seu significado e riqueza como ser humano, o que contribui sem dúvidas para seu senso de importância e de individualidade como sujeito social. Sem dúvidas, essa olhar mais amplo sobre nossa identidade, automaticamente nos ajuda a quebrar certos rótulos. O processo de inserção no ambiente acadêmico e, consequentemente, num meio social mais destacado tinha, portanto, como pré requisito adquirir, agora sim, identidade individual, deixar de ser massa para que, através disso, se pudesse manifestar a personalidade para seu devido reconhecimento social.

Não é a toa a famosa frase, "virar alguém na vida". É triste ver alguém que não é ninguém, porque a este pouca é dada a oportunidade de falar, de manifestar suas necessidades e vontades. Qual o sentido de ouvir alguém cuja existência social já lhe foi negada desde que nasceu?

2 comentários:

Roy Frenkiel disse...

Realmente triste a despersonalizacao das massas, e nelas, os maiores sofredores sao os que menos ganham pulpito a sofrer em legitimidade.

abrax

RF

josue mendonca disse...

Roy,

acho que é um dos tipos de violência social mais cruéis..embora bastante sutil