27 de maio de 2009

Gabo, Smith e os alfinetes


Um de meus escritores preferidos é Gabriel Garcia Marquez, e por um motivo muito particular: a sua habilidade para contextualizar até memso a cabeça de um alfinete. Mas falar em contextualizar ainda é impróprio, porque o que Garcia Marquez faz não é ligar o indivíduo ou um fato ao seu ambiente, seja este político, social ou cultural. Esse escritor, na verdade, realiza um mágica. Através do próprio desenrolar de cada ato, atitude, ou gesto individual, Gabriel manifesta o que poderíamos chamar aqui de, simplesmente, a realidade social. Realidade social no sentido de tudo aquilo que envolve e influencia aqueles comportamentos, mas que estava de alguma forma oculto, escondido. Realidade social como as crenças, os valores, as intenções políticas disfarçadas até no arquear de uma sobrencelha. Manifestar a realidade social através de ações ou atos particulares é diferente de ligar, por exemplo, o indivíduo à cultura, ou o fato ao seu contexto.

Outro escritor que tinha essa mesma ou quase mesma habilidade era Jorge Amado. Só que diferente daquele outro, Jorge Amado geralmente escancarava. Seu livro "Capitães de Areia" é uma prova disso. Não que isso signifique algo negativo. Ao contrário, talvez pelo teor do que Jorge A. descrevia, como os problemas de exclusão e preconceitos na Bahia, fosse preciso mesmo escancarar. Já Gabriel, a meu ver, não escancarava. Começava delineando. Gabriel não abria a porta, fazia o leitor perceber a distância e o tamanho da porta, para logo após fazê-lo tocar a maçaneta, dar uma espiada pela fechadura para que então, ao abrir a porta, recebesse, agora de vez, a realidade social com o mesmo impacto com que um corpo recebe o deslocamento de ar de uma explosão. Aquele deslocamento que faz os músculos da face tremerem. Era assim que eu me sentia lendo trechos do periódico "Da Europa e da América".

Arrisco-me a dizer que em Gabriel, os indivíduos incorporam a própria realidade. Não existe separação entre um político britânico, o próprio Gabriel, o jornaleiro da esquina e a realidade social. Todos se confundem, se misturam para revelar que são idênticos, na medida em que refletem essa mesma realidade que parece estar fora, mas que os constitui. É na confusão entre entre todos esses elementos que Gabo revela.

Crescemos ouvindo algumas vozes dizendo: não misture as coisas! E então aprendemos a ver tudo separado, como a divisão do trabalho em uma fábrica de alfinetes descrita por Adam Smith. Adam apregoou a divisão do trabalho, mas o mundo moderno acabou por dividir a própria realidade, de forma que cada elemento do sistema, paradoxalmente, sempre parece estar inteiramente isolado do próprio sistema. Ao ler Gabo, sinto que o mundo guarda uma coerência, que atos individuais refletem algo maior que os envolve, e que este mundo não é um alfinete, mas, por ironia, um alfinete pode conter muito do mundo.

25 de maio de 2009

vomito, logo penso


Fui na Saraiva esse fim de semana. A Saraiva é um daqueles espaços que funcionam como uma porta para outra dimensão: toda vez que um indivíduo que mora abaixo da linha do equador entra, tem uma leve sensação de que adentrou no mundo dos seres civilizados e fisoloficamente iluminados. É uma sensação de incorporação de algum nível intelectual mais elevado. Não que no Brasil, no nordeste ou na Bahia não existam seres iluminados. O fato é que, independente disso, a sensação é a mesma, porque o contraste é entre os dois ambientes, e não entre o indivíduo e o ambiente.

Entrei e dei aquela típica voltinha. Folheei aqui, folheei ali, na esperança de encontrar alguma novidade super fantástica. Existem algumas espécies curiosas de livros. Existem aqueles que parecem pular à sua frente gritando: "eu não valho nada, mas estou na promoção". Outros, dizem: "ei, psiu, olha só aqui atrás quem recomendou.." Já outros, não precisam dizer nada, o que vale é qualquer elemento estético ou se ele mexeu com você. Existem os simpáticos. Mas você olha, olha, olha e quando encontra uma mensagem com a qual gostaria de se iludir, você se lembra que já ouviu aquilo em algum momento de sua infância. Particularmente, acho que o pior de todos é aquele livro que para, olha pra mim e me pergunta num tom de desânimo e conflito: "por que eu virei um livro?", e eu me sinto pior ainda por não encontrar uma resposta.

Após conseguir superar todos esses percalços, cheguei à seção que queria. Sem direito à legítima defesa, dei de cara com o livro "o culto do amador", que havia conhecido um dia antes no blog de Marcos Donizette. Curioso para ver se Donizette havia lascado o pau no doido certo, comecei a folhear o livro. Sem querer, cheguei a um capítulo que falava que a prática de manipular músicas pela internet, violando assim os direitos autorais, estava destruindo nossa cultura, baseada nos valores da tradição judaico-cristã. O capítulo começa com a referência ao mandamento: "não furtarás". Isso foi o suficiente para que eu já começasse a sentir uma ânsia de vômito. Acho que as livrarias deveriam, além de bancos e sofás, disponibilizar recipientes em cada corredor para situações de vômito de gênese intelectual. Não tive coragem de ler mais nenhuma página. Fui apenas na orelha do livro para identificar a cara do escritor. O padrão conferia: cara de aloprado. É preciso manter um registro mental de certas fisionomias, porque servem como um critério a mais para decidirmos sobre que tipo de livro nos arriscaremos a ler. Coloquei-o de volta na estante e fiquei imaginando o que mais me doía. Se era o preço que um leitor ingênuo iria pagar pelo lixo reciclado, ou seu prejuízo mental. De frente para o livro, era a minha vez de me perguntar: como eu havia virado um leitor?

22 de maio de 2009

eu adoro


Eu adoro as reuniões do G...qualquer número. Pois é através delas que temos a oportunidade de visualizar, a nível top, o poder simbólico do aperto de mão, do sorriso para as câmaras e do exercício de, em se tratando de nada, se dizer alguma coisa. É um momento único, em que podemos observar líderes mundiais com tantas responsabilidades, num esforço coletivo e solidário de se reproduzir, em escala global, o típico fenômeno do vácuo político. Mas não se engane quem pensa que alguém ali perdeu a viagem...

21 de maio de 2009

Aristóteles, a escolinha e a vaca


Quando eu era criança, perguntava à minha irmã mais velha como ela conseguia ler. Ela me respondia: você vai aprender na escola. Eu achava bonitas as palavras, como elas ficavam todas organizadas cuidadosamente numa folha de papel, comunicando algo que eu morria de curiosidade de descobrir o que era. Na escola, fui aprendendo pouco a pouco, como geralmente ocorre. E as primeiras palavras eram tipo vaca, casa, zezé, bola, tatu, rato, nabo, faca, dentre tantas outras dissílabas. Eu ficava contente quando conseguia juntar uma sílaba a outra, pronunciar corretamente e, principalmente, compreender o significado, ou seja, quando aquelas letras juntinhas geravam a imagem correspondente na minha cabeça. Acho que a sensação era a de um insight.

Eu queria aprender logo pra sair lendo um bocado de coisa. Quando saia à rua, adorava observar cada palavra, exposta em qualquer lugar, e pronunciar. Era mais uma ótima sensação. Acredito hoje que esta sensação era porque eu percebia que o que estava aprendendo dentro da escolinha, tinha importância e utilidade no mundo lá fora, em minha vida real e cotidiana. De fato, eu começava a ampliar minha compreensão do mundo. Cada palavra desvendada fazia com que mais uma porção, ainda que pequena, da realidade à minha volta ganhasse significado. O mundo, aos poucos, ficava mas claro, como também mais envolvente, e eu me sentia não só mais situado, como também mais integrado a todas aquelas pessoas que já dominavam a leitura, fossem elas crianças ou adultos.

Sem saber, eu estava desenvolvendo o pensamento abstrato. Segunda Aristóteles, é essa capacidade que o ser humano tem de abstrair através da linguagem que o difere do restante dos animais. Ufa! Que bom que eu nasci gente! Agora, eu não estava mais limitado à fala nem ao que estava acontecendo à minha frente para descobrir o mundo. Eu podia contar com tudo o que estava escrito em qualquer lugar para ir um pouco além. Eu me tornava um ser humano mais livre. O tempo foi passando e, cada vez mais, eu ficava curioso em descobrir novas palavras e entender textos maiores e diferentes. Lembro que quando lia aqueles livros infantis, eu realmente me transportava. Posso dizer com todas as letras que era, de fato, uma viagem. Eu ficava impressionado com a capacidade que a palavra tinha de construir cenários. Era como se as palavras tivessem vida, entrassem na minha cabeça e começassem a rodar um filme. Eu começava a me apaixonar pelas palavras e achava uma barbaridade quando via um livro com frases sublinhadas, principalmente quando o risco estava torto. Pra mim, a folha era também importante, porque era ali que as palavras moravam. Elas deveriam ser preservadas em sua integridade com o mesmo respeito que se tinha às palavras. Sublinhar uma palavra ou frase, pra mim, era com o ato vândalo de pichar uma parede.

Eu li alguns livrinhos na escola. Mas os verdadeiros livros de minha infância foram os de Monteiro Lobato. Um que li com paixão foi "história do mundo para as crianças". Acho que esse foi o livro que começou a despertar meu pensamento pueril para uma visão um pouquinho mais crítica em relação ao mundo, se é que se pode falar em visão crítica na idade que tinha. Mas foi nele que descobri, por exemplo, que a história da humanidade era banhada de sangue, muito sangue. Na época, eu levantava os olhos e me perguntava porque o homem, no decorrer de tanto tempo, continuava com essa loucura de mantar gente.

Na adolescência, conheci Machado de Assis. Até hoje me pergunto como eram os olhos de ressaca de Capitu. Conheci Cecilia Meirelles numa prova que fiz pra Escola de Especialistas da Aeronáutica, em Recife. Acho que eu tinha uns dezesseis anos. Fiquei tão envolvido com o conto que, praticamente, esqueci do restante da prova. Conheci alguns contos de Clarisse Lispector, alguns poemas de Carlos Drummond de Andrade. Eu começava a me interessar por literatura.
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Mas alguns outros livros me chamaram a atenção, ainda na adolescência. Um se chamava ''o suspiro dos oprimidos''. Eu achava esse título fantástico. Poucas vezes na minha vida encontrei uma metáfora tão perfeita. Falava, basicamente, da luta pela sobrevivência do homem socialmente oprimido pelos grupos dominantes. Eu não li o livro por inteiro. Desisti porque não entendia muitos conceitos.
Um outro livro que também folheei, e que também me despertou a curiosidade pelo olhar crítico, foi o "sociologia crítica". Era um livro de minha irmã, que fazia parte de seus estudos do ensino médio. Dentre outras coisas, o livro falava da investida da Nestlé no continente africano e como isso tinha contribuido para problemas de saúde e até para a morte de várias crianças naquele continente.
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Um outro livro que me chamou atenção na época tinha como título "o segredo da felicidade". O livro começava dizendo que a felicidade era uma atitude mental. Não é comum isso acontecer, em se tratando de livros de auto-ajuda, mas até hoje acredito que seja verdade. Já um livro que li do começo ao fim se chamava "colunas do caráter". Era um outro livro de minha tia. Pra quem não sabe, caráter, assim como os dinossauros, já passou pelo planeta terra, pelo menos como discurso. Li também Darlie Carnegie, seu célebre livro "como fazer amigos e influenciar pessoas". Por vontade do destino, nunca fui bom para fazer amigos, muito menos para influenciar pessoas. Mas ele citou um pensamento de William James (um dos principais psicólogos americanos) que guardei comigo. Dizia que "o mais profundo princípio da natureza humana é a ânsia de ser apreciado". Nunca consegui me convencer do contrário.

Falando em princípiois, li também muito a Bíblia. Tive uma educação religiosa protestante (presbiteriana) durante toda minha adolescência. Através da Bíblia, construí uma visão moral do mundo. Quando entrei na faculdade pela primeira vez, aos 18 anos, minha professora de Sociologia disse que moral já havia falecido. Começa a fase de conflito existencial. Na faculdade, descobri que existiam mais livros do que sonhava minha tia. Eu me perguntava se até o final do curso eu seria capaz de ler 500.000 livros. Duas coisas me aliviavam: 1. Aristóteles já havia morrido e, portanto, deixara de ler um bocado de livro. 2. Dos 500.000 livros, cerca de 10% teriam conteúdo exclusivo, tratariam de temas relevantes e, dentro desses 10%, apenas 0,1% faria sentido na minha vida. Ufa!

Ainda adolescente, li Darcy Ribeiro. Foi através do livro "o povo brasileiro" que comecei a fomar uma visão mais abrangente da cultura de nosso país. Serviu-me, ao menos, para me libertar de alguns preconceitos e para compreender melhor questões como a desigualdasde social e as diferenças regionais. Li um pouco também de Gilberto Freire. Muito pouco, porque nunca tive paciência pra livros tão pesados. Foi através das críticas ao livro "casa grande e senzala", que passei a me sentir menos culpado por escrever sobre os fatos que observo. Se Gilberto Freire podia misturar evidência com imaginação, por que não eu? Já com Gabriel Garcia Marquez, tive a oportunidade de me sentir um inseto intelectual. Se alguém quer preservar sua auto-estima intelectual intacta, não leia um parágrafo desse escritor fantástico.

Bem, quando me mudei pra Salvador, comecei a ler um pouco mais. Eu não tinha dinheiro pra pisar numa faculdade, além de ter sido banido duas vezes da Universidade Estadual devido às cotas. Sentia-me frustrado e revoltado contra o sistema capitalista concentrador e excludente de que falara minha professora de geografia do ensino médio. Como eu não conseguia ser doutor, desejava, no mínimo, me tornar um filósofo de bar. Lia um pouco de quase tudo, a fim de formar uma visão global e integrada da realidade cósmica e transcendental. Com alguns livros e tantos pontos de vista, algumas coisas no mundo agora, ao contário do tempo da escolinha, começavam a perder sentido. Com o advento da internet e a explosão de informações fragmentadas e desencontradas, a situação piorou. O homo sapiens agora precisaria de aproximadamente 1.000 anos para formar uma visão coerente sobre alguma coisa. Eu havia chegado à Era do Quebra-Cabeças.
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Mas não é exatamente isso que decepciona o ser humano. A questão é que, quando criança, a palavra vaca, por exemplo, significava apenas uma vaca: aquela que tem quatro patas, um rabo e dá leite. Já na fase adulta, após tomar muito Leite Ninho, descobrimos que qualquer palavra pode significar qualquer coisa dependendo da vontade ou criatividade do escritor. Há estudiosos que defendem que a linguagem cria realidade. Eu acredito. O curioso, porém, é que como se não bastasse esse poder inerente à palavra, muitos ainda gostam de usar técnicas de ilusionismo. Nesse contexto, uma vaca pode, então, significar, por exemplo, um carro de fórmula 1.

Apesar de tudo isso que nos pesa, continuo apreciando a palavra. Mas devo confessar que, no íntimo, sinto saudades da época em que quando lia a palavra vaca, eu sabia que se tratava exatamente de um bicho que fazia mooommmm...

6 de maio de 2009

Raul e a formiga azul


Não sei se Raul Seixas era macumbeiro ou profeta. Mas sua idéia marginal de que preferia ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha...(todo mundo já sabe) tomou corpo, ou melhor, tomou os corpos na sociedade contemporânea. Hoje todo mundo é ou virá a ser, em curto espaço de tempo, um clone de Raul. Não sei, exatamente, se por influência espiritual dele, ou se por força da gripe suína altamente competitiva e globalizada. O fato é que as pessoas não têm mais aquela velha opnião formada sobre tudo feito tinha o pessoal de, sei lá, vinte, trinta anos atrás. Naquele tempo, era importante pensar de forma única e velha por amor à pátria. É claro que ainda existem no Brasil velhas opniões medievais formadas sobre absolutamente tudo, principalmente, aquelas oriundas de nossos respeitáveis cérebros políticos. Essa semana, por exemplo, o governador de São Paulo apontou o dedo para os professores, dizendo que eles tinham grande parcela de culpa pela mediocridade do ensino público no estado. Segundo ele, "as faculdades de pedagogia falham na formação de docentes". Chegou a profeir a frase-punhalada: ''onde menos se avançou foi no aprendizado". Neste caso, temos a velha opnião de que a culpa é da sociedade, omitindo a negligência e incompetência das autoridades políticas. O engraçado é o duplo paradoxo: as coisas novas que não se permitem ficar velhas e as coisas velhas que se tornam novas.

O novo que não envelhece é tudo aquilo que pipoca à nossa frente todo santo dia (idéias, comportamentos, manias, conhecimentos, idiotices, métodos revolucionários, tecnologias, valores, crendices, enfim, tudo que representa um 'jeito diferente' de fazer ou pensar) que agente faz o download, visualiza e depois joga na lixeira. Se usarmos uma metáfora, podemos dizer que a mente do homem contemporâneo se transformou num personal computer. Rola de tudo e você tem que sempre atualizar. O que não for pra lixeira, não precisa se preocupar. Depois vem um vírus e apaga tudo.

Já as coisas velhas que se tornam novas diz respeito à arte e ciência de misturar, basicamente, três práticas humanas: a arqueologia, a estética e o marketing. O arqueológo trata da tarefa indispensável de ressuscitar a múmia. A estética vai jogar um pó, um lápis e um batom e o marketing vai jurar que não se trata de uma múmia, e sim de uma deusa grega. É assim com tudo. O problema é antigo, a coisa funciona do mesmo jeito, a estrutura é a mesma, a mentalidade não mudou, a coisa vai parar no mesmo buraco, mas, após um sopro mágico, começamos a ver tudo diferente e se torna possível, até mesmo, acreditarmos estar vendo uma formiga azul quando na verdade estamos diante de um elefante branco.

Eu até me conformo em ser uma metamorfose ambulante. Mas querer que eu acredite na formigaq azul, aí já é demais!

5 de maio de 2009

a custo zero

aaaaaaaaaaaaaaaaatchimmmmm!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

cientistas descobriram que o "atchim" proveniente do vírus H1N1, transmitido pelo Sus domesticus (popularmente conhecido como Porco) é a solução definitiva para os casos de dengue no Brasil e para a crise financeira internacional.

2 de maio de 2009

Enquanto isso na sala da Justiça...


Eu não ia escrever, simplesmente porque todo mundo já escreveu. Por outro lado, senti que não poderia fugir à minha obrigação moral e ao meu dever como cidadão de compartilhar com o povo brasileiro desse grito de protesto erguido pelo ministro Joaquim Barbosa contra toda essa avacalhação, decorosamente praticada nos átrios da mais alta instância de nosso Poder Judiciário (STF), supostamente dirigida por seu presidente, vossa excelência Gilmar Mendes.
O episódio estimulou meu cérebro a uma profunda reflexão sobre os aspectos psicológicos subjacentes à reação do referido presidente, como também ao ritmo das notícias imposto pela mídia contemporânea.

O primeiro aspecto psicológico diz respeito à risada nervosa de Gilmar Mendes, esboçada imediatamente após o ministro Joaquim acusá-lo de estar ''destruindo a Justiça desse país''. Não é novidade que uma risada dessa natureza é típica de situações feito essa, quando o indivíduo percebe que o elástico de sua máscara rompeu, e ela começa a deslizar suavemente pela face. Imagino que não seja fácil, principalmente para uma pessoa tão poderosa, se ver sem forças para segurar uma simples máscara vagabunda. E olhe que o ministro Joaquim nem se deu ao trabalho de lhe fazer cócegas. Explicando: segundo estudiosos, "sentir cócegas é uma reação de pânico que o homem adquiriu para defender-se, respondendo rapidamente ao perigo. Por isso, gera sempre uma risada nervosa. Quando uma aranha tentava escalar as pernas de um de nossos antepassados, eram as cócegas que o faziam perceber e expulsar o bicho sem precisar entender exatamente o que acontecia".
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Independente do motivo da risada, ela não ficou bem na mídia. Aqueles dentes pra fora me lembraram Drácula, e eu pensei em convocar os super-amigos (Superman, Batman e Robin, Aquaman, Mulher-Maravilha e os Super-Gêmeos Zan e Jayna ) para combatê-lo. Conforme reza a lenda, os super-amigos estão dispostos a "lutar contra vilões desde longínquas regiões do espaço sideral até as mais profundas águas dos oceanos, em sua batalha pela verdade e pela justiça. Até mesmo Drácula retorna de sua sepultura para desafiar os SuperAmigos!" O que os super-amigos talvez não desconfiem é que, em se tratando de Brasil, o Drácula mora na própria sala da Justiça.

O segundo aspecto psicológico é o efeito das "justaposições abruptas que você encontra no noticiário", palavras do neurocientista António Damásio. Conforme destacado no blog de Pedro Doria, "um novo estudo da Universidade do Sul da Califórnia (USC) demonstrou que emoções ligadas a valores morais precisam de tempo para se desenvolver no cérebro. " Ou seja, se o tempo em que um cérebro fica geralmente exposto às tramas da novela das 8 for significativamente superior ao tempo em que o mesmo cérebro fica exposto a conteúdos de natureza moral, a exemplo da prática da injustiça pela própria Justiça, o mesmo não terá condições de se emocionar moralmente se a coisa se esculhambar de vez no decorrer dos próximos capítulos.

Neurociências e infância anos 80 à parte, eu gostaria de destacar as frases emblemáticas do ministro Joaquim, porque me tocaram:

a)"Vossa excelência está destruindo a Justiça desse país!"

b)"Enganaram-se os que pensavam que o Supremo Tribunal Federal iria ter um negro submisso, subserviente"

Após essas palavras terem realizado o milagre de alcançar resquícios de meu orgulho patriótico, pela primeira vez na minha vida minha mente se reportou ao Hino Nacional após a análise de um episódio político. Confesso que senti um miligrama de orgulho ao perceber sentido no trecho ''verás que um filho teu não foge à luta". O protesto de um negro, filho de pedreiro e de uma dona de casa, que chegou ao posto de ministro do Supremo Tribunal Federal e disse na cara do presidente que ele está DESTRUINDO A JUSTIÇA DO PAÍS, merece, diga-se, nosso reconhecimento.

Quem quiser ver a homenagem, a la Cazuza, ao ministro Joaquim, é só clicar aqui.
Quem quiser manifestar o seu apoio ao mesmo ministro num abaixo-assinado, é só clicar aqui.

Só espero que Edson Gomes não esteja certo ao proclamar que ''a gente precisa de um super-homem (...) para destruir certas manobras organizadas...''