13 de outubro de 2011

A insustentável leveza do ser

Maria Eduarda chegou-me à mesa e apontou no próprio corpo, por cima de uma fina blusa cor lilás, um bichinho, um inseto que ela chamou, talvez por influência da prima mais velha, de viuvinha. “Olha titio que eu peguei...”, me comunicava com voz aguda e orgulhosa. No meu tempo de criança, eu conhecia como soldadinho. Era aquele ser minúsculo que dá para esconder entre o polegar e o indicador, de asas pretas com tímidas listras brancas, de anatomia semelhante a de uma borboleta. Eduarda, como costumamos chamá-la aqui em casa, se mostrava contente em exibir a pequena viúva, não sei se pelo encantamento em descobrir aquela criaturinha curiosa, ou se pela sensação de a estar dominando, ou se por ambos. Eram duas criaturinhas frágeis: Eduarda, que ainda não tinha nem três anos de vida, e a outra cuja vida irrisória, elementar e fugaz ela carregava em seu peito.


A menina não gosta de comer. É de uma brancura que parece menosprezar os efeitos do sol sobre os seres vivos. Os cabelos são finos, castanho-escuros, e descem em cachos frouxos até um pouco abaixo dos ombros. As mãos pequeninas, com dedos finos desenhados, parecem querer formar uma figura geométrica perfeita. Eduarda expressa com o corpo e os gestos a delicadeza de uma flor. Há quem diga que seja melindrosa. O olhar é sempre de análise. Quando está no sofá da sala com os adultos conversando, a menina escorrega os olhos de um canto ao outro do ambiente, aquele olhar rasteiro, como que querendo captar informações secretamente. Quando está com raiva é valente. Nessas horas a flor se transforma numa onça. Quando briga com o irmão um pouco mais velho não poupa tapas, murros e empurrões. Carrega consigo, como um soldado antigo em campo de batalha carregava seu escudo, um paninho que me parece ser sua segunda alma. Mas o usa de modos estranhos. Faz dele um bolinho e o esfrega na barriga, na perna, nos pés, no nariz, na cabeça, na cara, e só dorme com ele. A sorte é que a menina não criou nenhuma obsessão por um único paninho específico. Qualquer pano parecido lhe serve. Na verdade, nem sabemos mais qual seu pano original. Sabemos com certeza que temos um estoque suficiente para que não corramos o risco de perder uma noite de sono com o choro da menina exigindo o objeto.


Nesta tarde, poucos instantes após ter me exibido com admiração aquele ser que qualquer adulto nem daria conta da existência, Eduarda virou-se pra mim e anunciou num tom melancólico:
- A viuvinha morreu, titio.
- Morreu?! – perguntei intrigado e surpreso - Como assim Eduarda? Um bichinho não morre assim do nada... - Continuei, mas agora com alguma desconfiança. Imaginei então que ela teria, mesmo sem querer, esmagado a pobre criatura entre os dedos.
- Morreu meu tio! – Respondeu num tom firme e desafiador – Você não sabe o que é morrer não é?

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