6 de abril de 2010

momento literário

O velho apertava os olhos, protegendo-os da luz do sol que parecia apontar apenas em sua direção. Deslocou-se, pondo a mão sobre a do rapaz que o acompanhava à mesa e o chamou com ânimo:
- Olhe ali, do outro lado, na calçada!
O menino, num susto, ergueu os olhos que estavam voltados pro livro, um livro sobre antigos povos da Babilônia, e voltou a cabeça pra onde o velho apontara.
- O que? – Perguntou o rapaz.-
Aquela menina. Está vendo? – continuou falando em voz baixa, mas num tom vibrante.
- Sim, estou vendo – retrucou o rapaz, com expressão de impaciência.
O velho então parou. Parou e deixou, por instantes, o olhar se perder no espaço. A claridade do sol, agora, parecia não incomodá-lo mais. Aos poucos, foi abandonando a mão do rapaz e se encostando de volta na cadeira.
- Seus passos... seus passos eram tão leves. - Disse com certo deslumbramento.
E, novamente:
- Muito leves... – só que, desta vez, parecia estar falando pra si mesmo, suspirando.
- A leveza de espírito afeta a lei da gravidade? – perguntou o velho ao menino.
- Por acaso a leveza de espírito interfere no peso dos corpos? – insistiu o velho.
- Não, meu avô. - Respondeu o rapaz com olhar confuso. É evidente que não e o senhor deve saber isso.
- A ciência já examinou isso, meu filho? - Insistiu mais uma vez o ancião.
- Não haveria motivos para tal, meu avô. – Respondeu achando graça, pois, agora, entendia que o velho o provocava.
O homem voltou o olhar para a menina que agora já estava distante.
Um pouco à frente, uma esquina cruel roubara-lhe a pequenina de andar leve e cabelos longos e encaracolados.
Não deveria de haver esquinas, já que sempre nos roubam o olhar infinito. - Questionou o velho em pensamento.
Mas quando as coisas nos fogem dos olhos, a memória nos serve. E o velho via novamente aqueles passos leves, aquele corpo pequenino, aquela mão frágil segurando a da mãe. Cabelos encaracolados que se moviam conforme as vontades do vento.
O velho pegou de volta o charuto e permitiu ao menino voltar-se ao livro.
Bafejou, com o desleixo de sempre, aquela fumaça densa, mas tão leve feito os pés da menina.
E, silenciosamente, disse:
- Interfere meu filho. Interfere.

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