19 de novembro de 2009

sobre os cabelos alaranjados de Julia

Julia tinha asma. Julia morava numa bola gigante e transparente de vidro. Alguns a chamavam de redoma. Mas Julia ententia que fosse uma bola.
Os cabelos de Julia eram finos e batiam no chão. Loiros. Quase castanhos.
Pela janela, entravam raios de luz. Fracos raios de luz que também batiam no chão, do lado de fora da bola. Pela janela, Julia via algum momento da vida. Algum movimento da vida. Alguma metada da vida. A vida pulsava no coração de Júlia, apesar da asma. Havia brinquedos no quarto de Julia. Cada um, preso em sua caixa original. Era preciso proteger da poeira e do desgaste. Em alguns momentos, Julia saia da bola. Saia, mas sempre voltava. Dentro da bola, Julia se sentia segura. Tinha medo de morrer, de asma. Julia tinha medo de morrer e de viver, de modo que o medo era uma forma de não viver sem morrer.
Os cabelos de Julia batiam no chão e da janela Julia vislumbrava sempre um momento, um pedaço, um reflexo do mundo.
Julia via sempre pedaços, apesar de seus cabelos grandes.
Um dia Julia entendeu que a janela de seu quarto era pequena. Que seus cabelos eram pequenos e que só os pedaços não faziam muito sentido.
Pela primeira vez em sua vida, Julia deixou que os raios do sol se derramassem por seu pálido rosto.
Era verão.
Julia fechou os olhos e sorriu.
A vida não era um pedaço de sua janela. Nem seus cabelos eram tão grandes e loiros assim.

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