16 de agosto de 2008

Síndrome do peixe afogado

O ponto em comum entre um jovem, um artista e um empresário bem sucedido, é que os três têm um impulso natural para extrapolar os limites, quebrar paradigmas, romper com uma norma, modelo, ou padrão social qualquer. A diferença é que o jovem é considerado rebelde, o artista genial e o empresário inovador.
Quando eu era um pré-adolescente, pensava que só Einstein era criativo. Os livros da 5ª série diziam que ele era um gênio, o que me fazia crer que, ao resto da humanidade, só restava mesmo se conformar com o direito de aprender. (Embora as mudanças bruscas no mundo tenham estimulado a criativadade, parece que estamos habituados quase sempre a copiar. De qualquer forma, não é todo dia que agente tá afim de sair da garrafa.) Numa bela manhã, aquele cientista acordou inspirado e disse que “a criatividade era mais importante que o conhecimento”. Confesso que aquilo me causou uma verdadeira revolução psicossomática-neuro-científico-comportamental. Pois, de fato, essa ousada sentença abalava minha fé em minha mãe, meu professor, na igreja, no telecurso 2° grau, na televisão, enfim, em tudo e em todos aqueles se sentiam no direito e dever de me ensinar alguma coisa. Aprender (como sabemos) sempre foi algo muito normal, natural, faz parte da vida e bem à saúde e, como alguns dizem, faz parte do processo de socialização e humanização. Desde a tenra idade começamos a aprender e, assombrosamente, aprendemos tudo. Até aí tudo bem. O problema foi, justamente, depois de todo esse sacrifício, o gênio virar pra mim e dizer que aprender não é tão importante quanto eu imaginava. Isso demora a digerir. Só com o tempo é que fui enxergando que realmente havia algo de lúcido naquela frase de cientista maluco. A criatividade era, de fato, algo muito importante, embora contra ela, sempre exista algo, um ser tangível ou uma voz ressoando na cachola, dizendo: "o jeito de fazer é assim!". Acho que quando Einstein proferiu esta frase, estava sinalizando que num futuro próximo, aquele então sistema econômico focado na indústria - em que o trabalho humano se reduzia à mera execução de tarefas repetitivas e intermináveis, tornando mecânicas nossas atividades manuais e mentais - estava com os dias contados. Hoje, verificamos que, pelo menos essa sua teoria, tinha algum fundamento, pois o mundo pós-moderno exige que criemos. Se o mundo exige e a espécie humana possui uma incrível capacidade de se adaptar ao meio, concluí, rapidamente, que seres humanos não-geniais feito eu poderiam também ser criativos, ainda que isso não significasse, necessariamente, ser capaz de criar alguma teoria revolucionária do tipo interplanetária. O importante, pra mim, no decorrer do tempo, foi a percepção de que indivíduos comuns - eu e 90% da população mundial - eram também capazes de, acordados e sóbrios, reiventar a roda ou quem sabe o mundo.

Quando surgiu essa conversa de que as organizações precisavam de pessoas criativas, um mar de livros e artigos científicos varreu os dois hemisférios de nosso planeta proclamando que todo ser humano é, essencialmente, criativo e que, portanto, desenvolver essa capacidade era só uma questão cultural, ou seja, do quanto a cultura estimulava ou não isso. Confesso que tenho medo do "cultural". Toda vez que me surge essa palavra me sinto um peixe afogado, daqueles que gostam de dar saltos ornamentais no aquário. Tudo porque me lembro do antropólo norte-americano Ralph Linton, quando disse que “a última coisa que um habitante das profundezas do mar teria probabilidades de descobrir seria a água”, se referindo à dificuldade que o homem tem de tomar consciência da cultura. Pois bem, esse oceano cultural que, na era industrial, resolveu ficar mudo quanto ao nosso potencial criativo, hoje berra por todos os lados que devemos nos transformar num Leonardo da Vinci. Se Nietzsche disse que o meio onde o indivíduo vive afeta seu intelecto e os neurocientistas afirmam que a plasticidade é natural ao cérebro, não teremos tanta dificuldade pra realizar esse feito.
Uma coisa que não entendo é por que certos experts tentam ensinar as pessoas a serem criativas oferecendo uma espécie de passo-a-passo. Não sei como é possível, matemática e filosoficamente falando, aprender, justamente, a ser criativo. Penso que é uma questão do sujeito se sentir à vontade, ou não, para expressar a criatividade com a qual já nasceu. Van Gogh morreu na miséria, ninguém na época valorizou seu trabalho, vivia depressivo, mas, pelo menos, encontrou uma forma de expressar suas maluquices de forma criativa.
Considero, portanto, que nós, como seres normais, podemos também nos entregar à aventura de pintar um quadro, a própria casa, ou as paredes do Congresso Nacional.
De pobreza intelectual, garanto que ninguém vai morrer.

13 comentários:

taís disse...

Obrigada pelo elogio :)
Seus textos são daqueles que nos fazem pensar por um bom tempo depois que se lê, e são poucos aqueles que têm essa capacidade. É irônico e inteligente. Uma combinação perfeita.
Parabéns :)
e eu também adoro vir aqui!
beijos

aline disse...

oi josue

no meu primeiro ano de faculdade, um professor muito querido disse que, no mundo inteiro, só umas 10 pessoas tinham idéias novas. O que nós podemos fazer, ele explicou, é distorcer, recuperar, contestar, confirmar, adaptar, extender. Na hora, fiquei chocada. Mas foi libertador, como a frase do Einstein foi pra vc, acho. A criatividade não pede por genialidade nem originalidade. Já é de muita ajuda se a gente consegue captar idéias, lidar com elas, produzir algo a partir delas. Por a roda pra girar.

gostei de descobrir seu blog.
abraço

Homenzinho de Barba Mal feita disse...

Muito bom esse seu texto, como sempre arrebentando!!!

Parabéns!!!

Abraços!!!

Anônimo disse...

Josué,
vim aqui retribuir a visita e acabei encontrando um blog muito interessante. Um espaço para que você aflore toda sua sensibilidade de canceriano.

Rs... engraçado que na resposta do seu comentário lá no blog, escrevi algumas linhas para explicar (por alto) o sentido da palavra "porra", pq tinha colocado "Porra Josué!", e acabo por descobrir que vc é daqui de Soteropólis, a capital da "República de Bananas".

Com relação ao texto, reforço algo que você citou. O fato de dizer "deve fazer assim" ou " é dessa forma que tem que ser feito" poda ações mais espontâneas, engenhosas ou inventivas... Criativas, para ser direto.

Será que uma mudança simples (sic) na forma de colocar as coisas não traria uma mudança significativa?

Por exemplo, ao invés de impor "faça dessa forma", propor "precisamos obter este fim, etc. e tal".

Será?

Roy Frenkiel disse...

Excelente o racicionio e essa comparacao de capacidades. A criatividade recria o intelecto.

Obrigado pela visita em casa.

Teje linkado!

abraxao

RF

Marco Yamamoto disse...

Oi Josué,

gosto muito de uma frase de Einstein:“Work is 1% inspiration plus 99% transpiration”.

Acho interessante que este frase fique associada com o símbolo da genialidade de Einstein, porque deixa claro que não existem grandes avanços sem muito trabalho.

A criatividade também é fruto do domínio da técnica, quando enxergamos novas formas de se usar o conhecimento adquirido.

Muito bom o seu post, que nos leva a refletir sobre estas idéias.

abraços

mano maya kosha disse...

potencialidades adormecidas começam a dar gritos, e nossa metade muda que escutou por tanto tempo, agora tem que alcançar a nota exata, e não desafinar ... o mundo selvagem, domesticou-se por um mal maior !!! viva-se quem puder (belo texto, sólida síndrome)

O Antagonista disse...

Eu não me considero nem um pouco criativo... mas, de qualquer forma, vim aqui agradecer sua visita lá no blog... volte sempre que quiser!

Valeu.

taís disse...

eu te avisei que eu te linkei? :)

KS Nei disse...

Massa, muito bom esse texto.

Te linkei na Estrovenga. Passa mais la prum cafezim.

Abracos!

Unknown disse...

creio que todos têm seu espaço e faz parte da vida o jogo de intelectualidade e alienação. os que se viram, simplesmente se vira. os que são originais, nesse mar de mesmice, se tornam algo melhor. daí a gente pod egastar meia hora discutindo qual o conceito de melhor e "melhor pra quem?". abs.

Anônimo disse...

Hum....! Cara, vc é fodastico! srsr

Saudade! desculpa a demora em responder-lhes aqui! ´e que essa rotina me afoga!

´Beejo!

B. disse...

Também não entendo essa coisa de passo-a-passo para esse tipo de coisa. Criatividade não se aprende, acredito que com a prática as pessoas vão melhorando aos poucos e daí surge a eterna busca da perfeição. Adorei o texto. =D