4 de fevereiro de 2013

Os miseráveis (2012)

Esperei com ansiedade por esse filme desde o lançamento do trailer há 8 meses. Esperei e me decepcionei. Gosto de literatura, de musicais, a obra de Victor Hugo é um clássico universal, alguns atores foram incríveis, mas o diretor Tom Hooper, vencedor do Oscar com o filme “O discurso do Rei” conseguiu o feito de destruir quase todas as minhas expectativas. Ao final do filme eu tive a impressão de que ele tinha tudo para fazer o público derramar fios de lágrimas, mas deixou essa oportunidade escapar entre os dedos. Mas enfim, por que “Les miserables” foi uma decepção para mim?

Como já mencionei, acho que a falha principal foi mesmo de direção. Tom Hooper sabia pra onde ia, o que queria de cada ator, mas não exatamente o que queria da história dos  personagens. Os primeiros momentos do filme que mostram Jean Valjean (Hugh Jackman) ainda na situação de prisioneiro serviram como exemplo de um erro que iria se repetir, ouso dizer, por todo o filme: uma atuação legal, um cenário bem construído, atraente, fundo musical envolvente, mas com história emocionalmente rasa.  Acho que uma das razões disso tenha sido a falta de foco do diretor. Muitas histórias paralelas, muita cantoria, mas faltou no mínimo uma única história que criasse um vínculo emocional com o público. O que quero dizer é que eu não consegui me comover nem me importar com a história e sofrimento de nenhum personagem e acho que essa foi uma sensação geral. Isso é um problema grave num filme que busca traduzir o justamente o sofrimento humano!

A primeira chance que o próprio filme deu ao diretor de contar uma história envolvente foi quando Jean Valjean conquistou sua liberdade condicional. Enfim, o homem que ficou preso durante 20 anos por roubar um pouco de pão para alimentar a irmã estava livre e queria reconstruir sua vida.  A segunda chance foi quando Fantine (Anne Hathaway) foi demitida, se tornando automaticamente mais uma miserável. Qualquer uma dessas duas histórias, ou mesmo as duas juntas, abordadas de forma diferente, poderiam render um filme interessante. Mas o diretor preferiu dar quase a mesma importância a outras histórias paralelas: um movimento popular revolucionário, a história de amor de Cosette, filha de Fantine e em menor grau o sofrimento de uma moça que gostava do futuro namorado de Cosette. Como se não bastasse todas essas histórias com fragilidade de contexto e sem nenhuma profundidade emocional, há ainda duas situações estranhas, a segunda até cômica. O casal que criava Cosette não conseguiu ser engraçado nem cruel, embora fosse essa sua finalidade. A maquiagem estava ok, os atores eram ok, mas não me despertou nem riso nem raiva. A segunda situação foi a de  Javert (Russell Crowe). O personagem poderia ter uma participação marcante, já que era o inspetor que perseguia Jean Valjean. Mas passou o filme como um personagem perdido, que aparecia aqui e acolá como um fantasma, sem dizer de onde vinha nem pra onde ia.

Eu quis acreditar no filme quando ouvi Anne Hathaway cantando “I Dreamed a Dream”. Interpretação sensacional. As expressões de rosto e olhar da atriz e sua voz trêmula traduzem toda a dor e sofrimento do momento em que vive, sem contar que cantou muito bem. A maquiagem, o cenário, a iluminação construíram um momento impactante. Pra mim foi a melhor cena, que conseguiu talvez refletir um pouco do realismo contido na obra de Victor Hugo, o realismo que pretendia retratar o ser humano humilhado, sem esperanças e entregue a uma vida miserável.

Como não deu certo com Fantine, eu quis acreditar no filme através da vida de sua filha, a pequenina Cosette (Isabelle Allen). Esforço em vão. Depois vieram as cenas de guerra, o drama amoroso da jovem Cosette, mas nada, nenhuma dessas histórias conseguia envolver. Eram como quadros expostos num museu diante de olhares leigos. Chamavam a atenção pelas cores e formas, mas não significavam nada. O melhor exemplo disso foi com Éponine (Samantha Barks), uma moça que sofria por seu amor não correspondido por Marius  (Eddie Redmayne) que, por sua vez, se apaixonou por Cosette. Era impossível se sensibilizar com a dor dessa moça, embora sua atuação tenha sido legal. Faltou contexto.

Após a morte dos revolucionários o filme chegou a um ponto de saturação com tanta cantoria, quando os ouvidos suplicavam um simples diálogo em cenas perfeitamente apropriada para tal. Deu sono, nervosismo, vontade de levantar e ir embora. Mas eu queria ficar até o final para concluir minhas impressões.

Devo reconhecer que o filme foi legal quanto à maioria dos outros aspectos: cenário, figurino, trilha sonora, maquiagem, arte, som. Além de Anne Hathaway, destaque para a interpretação de Hugh Jackman. Gostei em especial da primeira cena do filme com os prisioneiros trabalhando, e de algumas cenas do povo Francês cantando nas ruas.

Se posso citar cenas que me comoveram, foram quando Fantine se sentiu obrigada a vender seus cabelos e depois dois dentes para comprar roupa e remédio para a filha. Se existe uma coisa que Anne Hathaway sabe fazer muito bem é chorar, e isso foi bem explorado.

Minha impressão final é de que o filme é tocante em poucas cenas isoladas. Mas só isso. O filme, como um todo, não comoveu e, creio eu, essa era sua principal missão.

13 de outubro de 2011

A insustentável leveza do ser

Maria Eduarda chegou-me à mesa e apontou no próprio corpo, por cima de uma fina blusa cor lilás, um bichinho, um inseto que ela chamou, talvez por influência da prima mais velha, de viuvinha. “Olha titio que eu peguei...”, me comunicava com voz aguda e orgulhosa. No meu tempo de criança, eu conhecia como soldadinho. Era aquele ser minúsculo que dá para esconder entre o polegar e o indicador, de asas pretas com tímidas listras brancas, de anatomia semelhante a de uma borboleta. Eduarda, como costumamos chamá-la aqui em casa, se mostrava contente em exibir a pequena viúva, não sei se pelo encantamento em descobrir aquela criaturinha curiosa, ou se pela sensação de a estar dominando, ou se por ambos. Eram duas criaturinhas frágeis: Eduarda, que ainda não tinha nem três anos de vida, e a outra cuja vida irrisória, elementar e fugaz ela carregava em seu peito.


A menina não gosta de comer. É de uma brancura que parece menosprezar os efeitos do sol sobre os seres vivos. Os cabelos são finos, castanho-escuros, e descem em cachos frouxos até um pouco abaixo dos ombros. As mãos pequeninas, com dedos finos desenhados, parecem querer formar uma figura geométrica perfeita. Eduarda expressa com o corpo e os gestos a delicadeza de uma flor. Há quem diga que seja melindrosa. O olhar é sempre de análise. Quando está no sofá da sala com os adultos conversando, a menina escorrega os olhos de um canto ao outro do ambiente, aquele olhar rasteiro, como que querendo captar informações secretamente. Quando está com raiva é valente. Nessas horas a flor se transforma numa onça. Quando briga com o irmão um pouco mais velho não poupa tapas, murros e empurrões. Carrega consigo, como um soldado antigo em campo de batalha carregava seu escudo, um paninho que me parece ser sua segunda alma. Mas o usa de modos estranhos. Faz dele um bolinho e o esfrega na barriga, na perna, nos pés, no nariz, na cabeça, na cara, e só dorme com ele. A sorte é que a menina não criou nenhuma obsessão por um único paninho específico. Qualquer pano parecido lhe serve. Na verdade, nem sabemos mais qual seu pano original. Sabemos com certeza que temos um estoque suficiente para que não corramos o risco de perder uma noite de sono com o choro da menina exigindo o objeto.


Nesta tarde, poucos instantes após ter me exibido com admiração aquele ser que qualquer adulto nem daria conta da existência, Eduarda virou-se pra mim e anunciou num tom melancólico:
- A viuvinha morreu, titio.
- Morreu?! – perguntei intrigado e surpreso - Como assim Eduarda? Um bichinho não morre assim do nada... - Continuei, mas agora com alguma desconfiança. Imaginei então que ela teria, mesmo sem querer, esmagado a pobre criatura entre os dedos.
- Morreu meu tio! – Respondeu num tom firme e desafiador – Você não sabe o que é morrer não é?

3 de agosto de 2011

Catarina

Catarina, pequenina, afogava a mão no riacho que ficava nos fundos de casa. Ela gostava de colocar a mão na água para sentir a pressão da correnteza tremer-lhe os dedos. Era gostoso tentar conter a força da água como se quisesse dominar a natureza. Via seu rosto tremendo na água e achava graça. Seus cabelos que eram grandes, de cachos ruivos, desprendiam-se ao vento e formavam uma figura ainda mais engraçada na água. Catarina ria da vida, daquele barulho gostoso de água corrente, de seu rosto pintado na água, da força da água em sua mão. As tardes de Cataria eram sempre belas. Às vezes colocava apenas os pés e também sentia prazer. Abria aquele sorriso leve, como se a felicidade do mundo fosse uma criança a brincar com a água nos fundos de casa. E o era. Aquela era a felicidade de Catarina, 6 anos, uma felicidade do tamanho de uma riacho de águas sem fim.

o velho Pedro

O velho Pedro encostou-se na mureta que dava para o mar. Todo fim de tarde o homem ia para o mesmo lugar, tirava o saco de amendoins do bolso e ia mastigando lentamente um por um enquanto divagava o olhar cansado sobre as águas que escureciam. Podia-se dizer que era um ato religioso. Toda tarde, naquele horário, daquele jeito, com seus inseparáveis amendoins, ele estaria lá, a dedicar o resto de tempo de vida ao entardecer. Nada tirava a concentração de seu Pedro. Um cotovelo escorado no muro e uma mão que soltava o amendoim torrado na boca. O sol, como sempre, parecia sempre mergulhar na água. Era como se a água, aquela em que ele podia tocar, por fim, conseguisse derrotar todo o fogo e calor do sol. O mar, que tudo engole, não deixaria escapar nem aquele astro celestial de tanto esplendor. Na manhã seguinte, como por um milagre, ele tornaria a subir aos céus. Para isso, o velho Pedro não tinha explicação. Nem no tabuleiro de dominó se atrevia a arriscar um palpite. Também não se importava com isso. Para ele, o importante era mesmo ver o mar engolindo por inteiro aquela bolota de fogo. Esse momento supremo do mar, ele não perdia por nada. Pescador a vida inteira, nunca tinha ido à cidade grande. Aprendera sempre a respeitar o mar. Era quase uma idolatria. Algumas pessoas tentavam explicar aquele fenômeno para o velho Pedro. Mas ele não dava importância. Queria mesmo era acreditar que o mar engolia o sol, e o levava lá pra profundezas onde vivem os peixes grandes. Não conseguia entender muito bem a figura de um sol molhado, encharcado. Mas se o fiado na bodega se seu Antônio tinha lá seus mistérios, não era de se espantar que o mar, esse mundaréu de água todo, os tivesse também. E mistério de mar era pra ser respeitado e muito, no limite de suas proporções. Quando a vida lhe roubasse o último suspiro, o velho queria ser jogado ao mar. Imaginava que em algum momento e em algum lugar, poderia, por algum outro milagre, ter um encontro especial com o sol lá embaixo, onde homem nenhum jamais foi.

Umbu

O menino caminhava pela estrada que parecia sem fim, sem curva. Tarde árida de poeira e sol que ardia em sua pele fina. Um pássaro grande e negro cruzou-lhe a cabeça. Modo de dizer, porque na verdade cruzou o céu, lá no alto, como se fosse tocar nas portas do paraíso.
O menino cambaleante de cansaço e fome deixava os dedos tropeçarem nas pequenas pedras que se estendiam por todo o caminho. Desejou a noite em que estaria em casa, junto à mãe, e poderia se esticar no chão frio da sala para ver o filme de guerreiros que passaria mais tarde. Alguns goles de café, um pão com margarina. Olharia pela frexa da porta para conferir se sua irmã menor estaria dormindo. Iria até o quintal para ver o azulão na gaiola, o pé de goiaba e, sobre aquele muro baixo de tijolos descascados, esticaria os olhos por aquela escuridão sem fim. Lá no meio do nada, poderia haver alguma espécie de bicho, bicho malvado que mata galinha, vaca e até gente.
A pedra que lhe sangrou o dedo o trouxe de volta à estrada quente. Faltava muito ainda. Resolveu parar um pouco e se escorar num pé de umbu. Um umbuzeiro grande, com umbus doces e suculentos. Sua boca salivou e então sem vacilar, subiu, feito um macaquinho, nos mais altos galhos para pegar o umbu mais doce. Mordeu com vontade. A árvore contorcida se confundia com o corpo do menino. Um esconderijo perfeito contra qualquer papa angu. Enquanto o caldo do umbu escorria-lhe pela boca e pescoço, parecendo uma serpente prestes a atingir sua barriga, o menino fechava os olhos para usufruir melhor aquela sensação de prazer. Doce um umbu. Doce vida. Entre as folhas do umbuzeiro, protegia-se do sol. Estava no alto, agora dominante. Coroado Rei do sertão, presenteado com o umbu mais doce e desejado da região. Um vento forte soprou. Apertou com mais força o galho. Quando abriu os olhos viu nuvens brancas que agora cobriam todo o céu. Eram muitas. Fato estranho, pois era uma tarde sem nuvens. Dizem que quando uma criança vira anjo, espalham-se pelo céu centenas de nuvens em forma de bolotas de algodão. Galhos quebrados.

25 de julho de 2011

Eduarda e a galinha

Depois de algum tempo averso a escrever, estou de volta, queira voce ou nao.
O assunto de hoje seria a galinha que comprei para escorar a porta e que Maria Eduarda acordou e foi logo colocando no braço e chamando de minha galinha. (nao da pra digitar em celular).
Ate a proxima

27 de setembro de 2010

nuvens diferentes

E eram duas janelas. Nesta, o menino olhava para a rua e buscava no andar dos homens e mulheres o movimento da vida. As nuvens, com certeza, caminhavam num passo mais lento, o que, no início, lhe causava alguma confusão. Mas ele não quis se prender a isso. Antes, olhava para a outra janela, onde estava a menina. Mas não era qualquer menina. Era a menina que fechava a janela. E era diferente o ritmo dos passos, o das nuvens, o dos pássaros e o da janela da menina que se fechava. O dia estava ensolarado, os olhos do menino castanhos e arregalados, mas ainda assim, ele não compreendia por que os pássaros voavam tão rápido, porque os homens andavam apressados, porque as nuvens deslizavam ao vento e porque a janela se fechava com o movimento impiedoso de uma frágil mão de menina.
Quando o vento soprou, o menino já se esticava na cama e, agora, buscava um sonho com nuvens velozes.

26 de setembro de 2010

em suas mãos

E ela sorriu, como se colorido o mundo fosse. Milhões de estrelas que cobriam o céu e, uma por uma, caiam num ato único de chuva. E não haveria outro momento para tais palavras. O coração buscou fôlego e a menina com olhos brilhantes proferiu sem medo: eu te amo. Do outro lado, o menino tentava equilibrar as estrelas que caiam em sua mãos.

4 de setembro de 2010

mas

eu não concordo com você. acho sua idéia estúpida!
mas eu te amo - completou a menina de olhos castanhos-mel.

por uma boa causa

na verdade eu gostaria de participar de alguma revolução nacional por alguma causa social. mas acho que vou aproveitar esse tempo pra acessar a internet e ver uns videozinhos no youtube