Como já mencionei, acho que a falha principal foi mesmo de direção. Tom Hooper sabia pra onde ia, o que queria de cada ator, mas não exatamente o que queria da história dos personagens. Os primeiros momentos do filme que mostram Jean Valjean (Hugh Jackman) ainda na situação de prisioneiro serviram como exemplo de um erro que iria se repetir, ouso dizer, por todo o filme: uma atuação legal, um cenário bem construído, atraente, fundo musical envolvente, mas com história emocionalmente rasa. Acho que uma das razões disso tenha sido a falta de foco do diretor. Muitas histórias paralelas, muita cantoria, mas faltou no mínimo uma única história que criasse um vínculo emocional com o público. O que quero dizer é que eu não consegui me comover nem me importar com a história e sofrimento de nenhum personagem e acho que essa foi uma sensação geral. Isso é um problema grave num filme que busca traduzir o justamente o sofrimento humano!
A primeira chance que o próprio filme deu ao diretor de
contar uma história envolvente foi quando Jean Valjean conquistou sua liberdade
condicional. Enfim, o homem que ficou preso durante 20 anos por roubar um pouco
de pão para alimentar a irmã estava livre e queria reconstruir sua vida. A segunda chance foi quando Fantine (Anne
Hathaway) foi demitida, se tornando automaticamente mais uma miserável.
Qualquer uma dessas duas histórias, ou mesmo as duas juntas, abordadas de forma
diferente, poderiam render um filme interessante. Mas o diretor preferiu dar
quase a mesma importância a outras histórias paralelas: um movimento popular
revolucionário, a história de amor de Cosette, filha de Fantine e em menor grau
o sofrimento de uma moça que gostava do futuro namorado de Cosette. Como se não
bastasse todas essas histórias com fragilidade de contexto e sem nenhuma
profundidade emocional, há ainda duas situações estranhas, a segunda até
cômica. O casal que criava Cosette não conseguiu ser engraçado nem cruel, embora
fosse essa sua finalidade. A maquiagem estava ok, os atores eram ok, mas não me
despertou nem riso nem raiva. A segunda situação foi a de Javert (Russell Crowe). O personagem poderia
ter uma participação marcante, já que era o inspetor que perseguia Jean
Valjean. Mas passou o filme como um personagem perdido, que aparecia aqui e
acolá como um fantasma, sem dizer de onde vinha nem pra onde ia.
Eu quis acreditar no filme quando ouvi Anne Hathaway
cantando “I Dreamed a Dream”. Interpretação sensacional. As expressões de rosto
e olhar da atriz e sua voz trêmula traduzem toda a dor e sofrimento do momento
em que vive, sem contar que cantou muito bem. A maquiagem, o cenário, a
iluminação construíram um momento impactante. Pra mim foi a melhor cena, que
conseguiu talvez refletir um pouco do realismo contido na obra de Victor Hugo,
o realismo que pretendia retratar o ser humano humilhado, sem esperanças e entregue
a uma vida miserável.
Como não deu certo com Fantine, eu quis acreditar no filme
através da vida de sua filha, a pequenina Cosette (Isabelle Allen). Esforço em
vão. Depois vieram as cenas de guerra, o drama amoroso da jovem Cosette, mas
nada, nenhuma dessas histórias conseguia envolver. Eram como quadros expostos
num museu diante de olhares leigos. Chamavam a atenção pelas cores e formas,
mas não significavam nada. O melhor exemplo disso foi com Éponine (Samantha
Barks), uma moça que sofria por seu amor não correspondido por Marius (Eddie Redmayne) que, por sua vez, se
apaixonou por Cosette. Era impossível se sensibilizar com a dor dessa moça,
embora sua atuação tenha sido legal. Faltou contexto.
Após a morte dos revolucionários o filme chegou a um ponto
de saturação com tanta cantoria, quando os ouvidos suplicavam um simples
diálogo em cenas perfeitamente apropriada para tal. Deu sono, nervosismo,
vontade de levantar e ir embora. Mas eu queria ficar até o final para concluir
minhas impressões.
Devo reconhecer que o filme foi legal quanto à maioria dos
outros aspectos: cenário, figurino, trilha sonora, maquiagem, arte, som. Além
de Anne Hathaway, destaque para a interpretação de Hugh Jackman. Gostei em
especial da primeira cena do filme com os prisioneiros trabalhando, e de
algumas cenas do povo Francês cantando nas ruas.
Se posso citar cenas que me comoveram, foram quando Fantine
se sentiu obrigada a vender seus cabelos e depois dois dentes para comprar
roupa e remédio para a filha. Se existe uma coisa que Anne Hathaway sabe fazer
muito bem é chorar, e isso foi bem explorado.
Minha impressão final é de que o filme é tocante em poucas
cenas isoladas. Mas só isso. O filme, como um todo, não comoveu e, creio eu,
essa era sua principal missão.