31 de julho de 2008

não me pergunte por que

Eu não quero saber se minha professora de sociologia do ensino médio disse que precisamos adotar uma atitude crítica diante do mundo. Cheguei à conclusão de que o que o homem precisa mesmo é de uma atitude poética. Nosso presidente já sabia disso desde menino. Não é à toa que é mais conhecido no mundo pelas metáforas do que por qualquer outra coisa. Expressões proferidas por ele como “vejo com indignação que muitos dos dedos que apontam contra a energia limpa dos biocombustíveis estão sujos de óleo e carvão”, refletem, nada mais, nada menos, que um espírito enamorado da arte. Se vossa excelência, chefe de Estado, num assunto extremamente sério, pode se dar ao gozo de interpretar e expressar a realidade econômica de um ponto de vista poético, por que eu, simples micróbio social, cujas declarações não vão desestabilizar nem o preço da farinha de mandioca na barraca de seu Zé na feirinha de meu bairro, não posso fazê-lo? O homem não é obrigado a pensar sempre. Aliás, a própria ciência que, por natureza, estabelece como pressuposto básico a racionalidade como instrumento fundamental para obtenção do conhecimento, já tem admitido através de pesquisas recentes a importância da base emocional como um recurso fundamental para compreensão da realidade. Uns chamam de inteligência emocional, outros de intuição, feeling, premonição, sensitividade, divagação, transe, advinhação, enfim, qualquer uma dessas nossas habilidades que nos dispense do esforço de pensar. Não olhe para a bolsa de valores tentando compreender o objetivo daquelas ligações nem o que está naquele painel gigante. Sinta simplesmente, imaginando, por exemplo, que ali é um bando de homem ligando pra mulher na tentativa desesperada de explicar aquela mensagem de texto no celular. A nossa percepção do mundo pode ser muito mais rica se aprendermos simplesmente a pensar menos, até porque, de cientista, filósofo, bêbado e especialista o mundo tá cheio. O ser humano gosta por essência de sentir, imaginar. Hoje vivemos sob uma espécie de "lei de Descartes", onde tudo tem quer ser racional. O que fica guardado em nosso cérebro por muito mais tempo e com muito mais intensidade são as imagens e não as palavras. O espírito, segundo algumas teorias, gosta de figuras de linguagem, de contos, alegorias, fábulas. Pro bem ou pro mal, quase todas os povos construíram civilizações com base no mito, nas fábulas, no folclore, nas lendas e, nem por isso foram menos felizes. Já que nem tudo tem explicação, então acredite. Acredite em alguma coisa fantástica, na estória de carochinha de sua avó ou nos políticos, mas acredite. Tire um dia na semana, quando sair de casa pra estudar ou trabalhar, ou vagabundear e sinta o mundo, não leia nada, não queira entender nada, não queira explicar nada. Por que que tanta proibição para o sentir? Ninguém pode agir por impulso? Temos que explicar sempre o que fazemos? Ora bolas, não precisamos matar o “id”. Dê férias ao hemisfério esquerdo de seu cérebro. Não precisa estar certo. Não precisa responder nada. Nem eu nem você vamos descobrir todas as verdades da vida nem todos os mistérios da humanidade. Idiota dos astrônomos que decidiram estudar as estrelas. Adote uma atitude poética.

dedicado à Lê Stabilli por ter me inspirado através de seu perfil a escrever esse texto.

30 de julho de 2008

é velha mais eu gosto

Quando minhas irmãs abriam o guarda-roupas e diziam à minha mãe que não tinham roupa pra sair, quando aquele móvel sagrado estava justamente abarrotado de roupas, minha mãe ficava furiosa. Elas discutiam e no final, ou não saiam, ou saiam sem graça, deprimidas ou revoltadas. Foi a partir de conflitos dessa natureza que eu comecei a me interessar sobre a sensível e complexa relação entre o corpo e a roupa, ou seja, entre o ser humano de todos os tamanhos, pesos e formas e aquilo que lhe veste, e me dediquei durante anos a um extenso estudo, pesquisando em milhares de fontes das mais diversas e incompreensíveis línguas, no intuito de desvendar e explicar os mistérios, prazeres e contradições que constituem essa relação.

Feitas as devidas análises, cheguei à conclusão de que a roupa integra a própria personalidade humana. Nem mesmo Freud ou Jung tiveram a ousadia de supor isso. Não estou dizendo que as roupas têm personalidade própria. Isso seria uma suposição rasa, óbvia. Uma pré-adolescente qualquer saberia disso. Se tiver uma cara de Michey ou Superman, mais fácil ainda. Minha suposição é a de que o homem moderno, ou a moda vigente, fez com que a roupa na verdade passasse a integrar a própria personalidade do indivíduo. Ou seja, sem roupa e, principalmente, no contexto social, o homem estaria desprovido, em alguma medida, daquilo que pensa ser sua própria personalidade. Esse grau de dependência, evidentemente, vai variar de indivíduo para indivíduo, de modo que, para alguns, a roupa que está usando quase não afeta seu comportamento social, enquanto que para outros, passar uma semana inteira vestindo uma camisa básica branca, ou qualquer outro tipo de roupa que não expresse o conteúdo simbólico desejado, seria um verdadeiro sacrifício sem recompensa alguma.

É interessante também levar em conta outros aspectos igualmente importantes, antes de julgarmos a atitude de uma pessoa diante do seu guarda-roupas.
Podemos admitir tranqüilamente que a roupa também pode reforçar ou reprimir a expressão da personalidade, como também criar ou anular a figura social do indivíduo. Ou seja, uma determinada roupa pode ser a peça fundamental para reforçar aquele traço de personalidade que o indivíduo deseja demonstrar naquele momento, como também pode servir como uma verdadeira burca, obscurecendo tal personalidade. É evidente também, que o indivíduo pode fazer uso de uma roupa para projetar uma imagem social, muito ou totalmente diferente daquela que costuma projetar.

Além dessa relação com a personalidade e com a figura social, sabemos que roupa ainda desempenha um outro papel, a de exprimir estados de espírito. Se você está com raiva de seu patrão, por exemplo, pode ir para o trabalho com uma camisa preta estampada com a cara singela de uma caveira. Aqui, já podemos falar de uma outra função da roupa, que é conseqüência direta daquela, ou seja, no intuito de exprimir um estado de ânimo, o sujeito usa a roupa como instrumento de comunicação social. Mais importante do que o computador e o celular, com a roupa o sujeito imediatamente comunica, a quem está ao seu redor, informações essenciais como: quem ele é (culturalmente, financeiramente, socialmente, espiritualmente), o que quer(paquerar, assustar, humilhar, rezar, cometer um ataque terrorista), como quer (apelando, mandando, subornando, chantagiando), por exemplo.
Se com a roupa o indivíduo comunica ao mundo quem é, de onde veio, pra onde vai e, de quebra, como vai, está resolvido não só o seu problema pessoal, como também a questão fundamental da filosofia universal.

Da próxima vez que alguém do seu lado, abrir o sacrossanto guarda-roupas e, num ato involuntário, franzir a testa numa expressão de angústia, lembre-se de que se esta pessoa não comprar uma roupa que satisfaça seu vazio psíquico e existencial nos próximos dias, poderá entrar em parafuso. Logo, não custa nada dar uma mãozinha.


Boa tarde pessoaaaaaal

Tenho uma enorme dificuldade em entender porque certas pessoas se acham no direito de incomodar as outras, principalmente, quando são desconhecidas. Acredito que a rua já é um espaço público de extensão considerável, para as pessoas que necessitam, venderem ou pedirem o que quiserem. É certo que o ônibus é um transporte público. O problema é que no Brasil as pessoas costumam associar público com puteiro, onde o indivíduo acredita poder fazer o que bem entender. Eu respeito profundamente o trabalho desses meninos pobres que precisam trabalhar logo cedo para sobreviver, mas tudo tem limite, principalmente o de decibéis. Todos os dias, geralmente, mais de uma vez, na ida e na volta, tem que entrar esses meninos com a célebre frase: “bo(a) (tarde) pessoal, desculpa incomodar o silêncio de vocês!” Alguns ainda complementam: “o silêncio e o sossego da viagem de vocês”. Ora, mesmo conscientes que estão incomodando, ainda insistem. Sugiro que nunca entrassem, mas se continuarem entrando, que o façam gritando menos. Quem está no veículo, simplesmente é abstraído abruptamente do direito ilanienável de pensar, imaginar, lembrar, raciocinar, estudar, dormir, ler, trabalhar mentalmente, ouvir uma música, enfim, executar qualquer faculdade cognitiva por causa de um menino que resolveu entrar berrando e que, quando desce, já tem outro no ponto de ônibus aguardando sua vez. Outro dia, estava eu voltando da faculdade, perto das 23:00hs, cansado e tentando tirar aquele breve cochilo, quando entra um rapaz gritando pra vender balas de gengibre. Se um dia eu ganhar na mega-sena, vou comprar todas as balas de gengibre do mundo e fechar todas as suas fábricas. O sujeito trabalha o dia inteiro, volta pra casa cansado e ainda tem que ouvir gente gritando no ônibus? Pra mim,já bastam aqueles que ficam treinando canto lírico achando que estão no banheiro de casa.

29 de julho de 2008

Hoje só vai ter bagaceira

É comum alguns apresentadores de tv falarem que a relação público-tv é muito íntima, pois quando começa a transmissão, é com se eles estivessem dentro de nossas casas. O que mais me tem causado repugnância nos últimos meses é o fato de certos programas acharem que minha casa é necrotério ou coisa parecida. Logo no horário de almoço começam as cenas de horror. O foco é sempre cenas chocantes, seja de morte ou de miséria da população. Tem um apresentador que há um tempo atrás começava o programa com a eufórica frase: “hoje só vai ter bagaceira!”. Reparem bem na construção e conteúdo da frase. Nada mais emblemático. Se você estiver com o prato na sala, é provável que você vomite ou, no mínimo, perca o apetite. O pior é que hoje em dia a concorrência está acirrada, de modo que, ainda que você corra num ato de desespero e pegue o controle remoto para mudar de canal, o máximo que vai conseguir é cair dentro de um presídio, numa favela, no meio de um tiroteio, num atropelamento, em cima de um cadáver ou coisa do gênero. Se filmes adultos transformam sexo em pornografia, esses programas, seguindo o mesmo parâmetro, transformam violência e miséria em imagens que querem traduzir uma espécie de “realidade nua e crua”, sem necessidade alguma, mostrando o buraco que ninguém quer ver, pelo menos a maioria, creio eu, principalmente quando este é, justamente, o assunto central que domina todo o programa. Se o que uma emissora tem a me oferecer é um cadáver ao molho pardo na hora do almoço, sinto comunicar-lhe que, se depender de mim, seu Ibop vai ser enterrado vivo.

17 de julho de 2008

Sombra e água fresca

Admitamos que a maioria das pessoas passa a ser explorada quando começa a trabalhar. Mas para o pobre a situação é ainda pior pois, muitas vezes, nem emprego consegue. É discriminado pela cor, escolaridade, bairro, escolas que freqüentou, vestimentas, textura do cabelo, forma de se expressar, quantidade de dentes, sobrenome, dentre outros desqualificadores. Superando essa fase de absolutamente excluído e, após muito sacrifício, o pobre finalmente consegue um subemprego, porque o ambiente social em que cresceu e geralmente ainda vive - a que podemos chamar de periferia, quando não favela – onde geralmente teve péssimas condições de saúde e educação, faz com que o empregador o enxergue como mais um proletário pobre coitado, portanto, com o perfil que se encaixa perfeitamente na vaga de escravo.

No subemprego, o indivíduo é explorado de todas as formas possíveis que a inteligência humana foi capaz de elaborar até os dias atuais. A recompensa pelo duro trabalho é apenas o direito de comer. Comprar roupa, ir ao cinema, sair para almoçar e viajar, por exemplo, são atividades quase de luxo. O sujeito pode até praticá-las, mas vai ter que, necessariamente, escolher entre, por exemplo, comprar o feijão da semana ou lanchar no
McDonald's . Em resumo, o sujeito trabalha muito, recebe uma mixaria, sai com as mãos abanando e ainda é culturalmente induzido a se sentir culpado.

Fora do âmbito do trabalho o cidadão brasileiro, em geral, é explorado pelo poder público, já que vivemos num país onde a carga tributária é uma das maiores do mundo. Mas o mais escandaloso é o que estudos recentes feitos pelo IPEA revelam: além do fato dos 10% mais ricos da população brasileira concentrarem em suas nobres mãos 75% da riqueza nacional, os pobres, que acabam por viver das migalhas, pagam, proporcionalmente, mais impostos que os ricos. Isso mesmo: quanto menos se ganha, mais se paga. Como o cidadão pobre brasileiro não vê os altos impostos que paga revertidos em serviços públicos minimamente decentes - como vemos pessoas sofrendo em filas de posto de saúde, de madrugada, ou morrendo em porta de hospital - acaba sofrendo um terceiro tipo de exploração: além de pagar mais pelo “luxo” de ganhar menos, tem que aprender a conviver com um governo caloteiro.

Além do patrão e o governo, surgem ainda neste mercado potencial de “pobres exploráveis” as amigáveis instituições financeiras que, sem burocracia, oferecem socorro hoje e amanhã querem enterrar vivo o cidadão. É claro que bancos e operadoras de cartão de crédito não exploram só os pobres. Entretanto, como a renda do pobre não é suficiente para suprir todas as suas carências, ele se vê muitas vezes na necessidade de fazer uso de cartões de crédito ou empréstimos para comprar comida, medicamentos e coisas do gênero. Ou seja, no final das contas, muitos brasileiros, para comer, acabam tendo que contribuir com sua quota para o aumento da riqueza, que se multiplica a cada dia, das instituições financeiras, através do pagamento de juros e tarifas cobrados abusivamente. O curioso é que muitos pobres, de tão carentes, se apossam do cartão de crédito achando que é
benefício social.

Pra finalizar, como se não bastasse todos esses agentes, surge ainda uma outra entidade. Além do patrão, governo e instituições financeiras, temos, de quebra, algumas organizações
religiosas. Após uma eficaz lavagem cerebral, fica até feio pro pobre ficar com alguma sobra de dinheiro na mão.