Um de meus escritores preferidos é Gabriel Garcia Marquez, e por um motivo muito particular: a sua habilidade para contextualizar até memso a cabeça de um alfinete. Mas falar em contextualizar ainda é impróprio, porque o que Garcia Marquez faz não é ligar o indivíduo ou um fato ao seu ambiente, seja este político, social ou cultural. Esse escritor, na verdade, realiza um mágica. Através do próprio desenrolar de cada ato, atitude, ou gesto individual, Gabriel manifesta o que poderíamos chamar aqui de, simplesmente, a realidade social. Realidade social no sentido de tudo aquilo que envolve e influencia aqueles comportamentos, mas que estava de alguma forma oculto, escondido. Realidade social como as crenças, os valores, as intenções políticas disfarçadas até no arquear de uma sobrencelha. Manifestar a realidade social através de ações ou atos particulares é diferente de ligar, por exemplo, o indivíduo à cultura, ou o fato ao seu contexto.
Outro escritor que tinha essa mesma ou quase mesma habilidade era Jorge Amado. Só que diferente daquele outro, Jorge Amado geralmente escancarava. Seu livro "Capitães de Areia" é uma prova disso. Não que isso signifique algo negativo. Ao contrário, talvez pelo teor do que Jorge A. descrevia, como os problemas de exclusão e preconceitos na Bahia, fosse preciso mesmo escancarar. Já Gabriel, a meu ver, não escancarava. Começava delineando. Gabriel não abria a porta, fazia o leitor perceber a distância e o tamanho da porta, para logo após fazê-lo tocar a maçaneta, dar uma espiada pela fechadura para que então, ao abrir a porta, recebesse, agora de vez, a realidade social com o mesmo impacto com que um corpo recebe o deslocamento de ar de uma explosão. Aquele deslocamento que faz os músculos da face tremerem. Era assim que eu me sentia lendo trechos do periódico "Da Europa e da América".
Arrisco-me a dizer que em Gabriel, os indivíduos incorporam a própria realidade. Não existe separação entre um político britânico, o próprio Gabriel, o jornaleiro da esquina e a realidade social. Todos se confundem, se misturam para revelar que são idênticos, na medida em que refletem essa mesma realidade que parece estar fora, mas que os constitui. É na confusão entre entre todos esses elementos que Gabo revela.
Crescemos ouvindo algumas vozes dizendo: não misture as coisas! E então aprendemos a ver tudo separado, como a divisão do trabalho em uma fábrica de alfinetes descrita por Adam Smith. Adam apregoou a divisão do trabalho, mas o mundo moderno acabou por dividir a própria realidade, de forma que cada elemento do sistema, paradoxalmente, sempre parece estar inteiramente isolado do próprio sistema. Ao ler Gabo, sinto que o mundo guarda uma coerência, que atos individuais refletem algo maior que os envolve, e que este mundo não é um alfinete, mas, por ironia, um alfinete pode conter muito do mundo.
Outro escritor que tinha essa mesma ou quase mesma habilidade era Jorge Amado. Só que diferente daquele outro, Jorge Amado geralmente escancarava. Seu livro "Capitães de Areia" é uma prova disso. Não que isso signifique algo negativo. Ao contrário, talvez pelo teor do que Jorge A. descrevia, como os problemas de exclusão e preconceitos na Bahia, fosse preciso mesmo escancarar. Já Gabriel, a meu ver, não escancarava. Começava delineando. Gabriel não abria a porta, fazia o leitor perceber a distância e o tamanho da porta, para logo após fazê-lo tocar a maçaneta, dar uma espiada pela fechadura para que então, ao abrir a porta, recebesse, agora de vez, a realidade social com o mesmo impacto com que um corpo recebe o deslocamento de ar de uma explosão. Aquele deslocamento que faz os músculos da face tremerem. Era assim que eu me sentia lendo trechos do periódico "Da Europa e da América".
Arrisco-me a dizer que em Gabriel, os indivíduos incorporam a própria realidade. Não existe separação entre um político britânico, o próprio Gabriel, o jornaleiro da esquina e a realidade social. Todos se confundem, se misturam para revelar que são idênticos, na medida em que refletem essa mesma realidade que parece estar fora, mas que os constitui. É na confusão entre entre todos esses elementos que Gabo revela.
Crescemos ouvindo algumas vozes dizendo: não misture as coisas! E então aprendemos a ver tudo separado, como a divisão do trabalho em uma fábrica de alfinetes descrita por Adam Smith. Adam apregoou a divisão do trabalho, mas o mundo moderno acabou por dividir a própria realidade, de forma que cada elemento do sistema, paradoxalmente, sempre parece estar inteiramente isolado do próprio sistema. Ao ler Gabo, sinto que o mundo guarda uma coerência, que atos individuais refletem algo maior que os envolve, e que este mundo não é um alfinete, mas, por ironia, um alfinete pode conter muito do mundo.