5 de agosto de 2009

fragmentos

Tinha uma velha fumando cachimbo na entrada da escola. Lembro que era uma velha bastante velha porque a cara era de velha mesmo. Bem, talvez fosse uma velha mal cuidada. Naquele tempo não havia tanta coisa pra se botar no rosto como existe hoje em dia. O ano era por volta de 1985 D.C e eu deveria ter uns cinco ou seis anos. O muro de Berlim ainda tava de pé, o Brasil ainda sonhava com o Tetra, meu pai com um video cassete (quantas cabeças?) e com a casa própria, e eu assistia Balão Mágico. Tínhamos uma linha telefônica e uma televisão 14" colorida. Os políticos espalhavam outdoors com mensagens de um futuro próspero. Bem, 2009 - 1985 = 24 anos depois e a cidade, Santa Cruz do Capibaribe, pequeníssima e feia, parece nunca ter acreditado nas promessas. Havia um zarolho que morava em frente de casa, o homem lá da venda da esquina, e alguns amigos de infância. Havia uma menina, gorda e com aspecto de fóbica, que sempre estava na janela de casa quando eu ia pra escola. Finais de semana eu comia rapadura que um amigo de meu pai trazia. Naquela época, inspirados pelo modelo cultural de colecionador de enciclopédias inúteis, descobríamos que o nome científico do sapo cururu era Bufo Ictericus e que o ser humano possuia uma cabeça, dois braços, duas pernas e uma coluna vertebral. Uma certa noite, meu pai me chamou para vê-lo hastear a bandeira nacional em frente à agência bancária onde trabalhava. Até hoje faço um esforço almático (quer dizer, de alma) para, no mínimo, compreender o significado desse símbolo como um animal vertebrado, e com um ser histórico e social. Foi por esse tempo que descobri o radinho de pilha e, consequentemente, Paralamas do Sucesso. Até hoje, apesar dos cds, dvds, true HD, nada foi tão bom quanto descobrir algumas músicas num radinho de pilha grudado no ouvido, com seis anos, esticado numa rede. Meu pai queria sair da cidade talvez na intenção de figurar como um nordestino menos feio e menos pobre. Mudamo-nos. Com sete anos, eu entrava numa nova escola. Novas amizades, uma casa própria e maior, uma rua enorme de barro pra correr e, um pouquinho mais à frente, um Atari e um vídeo cassete. Mas a imagem da velha eu nunca esqueci. Ela nunca falou comigo nem eu com ela. Ela ficava, repito, sentada na escada que dava entrada para a escola. Sempre segurando seu cachimbo e soltando aquelas bolas de fumaça. Aquela senhora era a velhice. A velhice em pessoa. O olhar era quebrado, um pouco amarelado, um pouco profundo. Não sei se esses detalhes são exatamente memórias reais ou coloridas com a imaginação. Mas não foi só a velha que marcou minha memória infantil. Foi a velha e o poço na casa da vizinha. O poço era fundo que não se via o fim. Era um poço feito aquele do final do filme Could Mountain. Só que eu não via água, só um escuro. Às vezes, me pergunto porque essas imagens nunca se apagaram de minha lembrança.