27 de setembro de 2008

tentei né...

Durante os jogos olimpícos de beijinho eu tentei ver uns vídeos que a NBC tava transmitindo na internet. Só um otário feito eu achava que a NBC, que havia comprado o direito exclusivo de transmitir as olimpíadas online, iria disponibilizar o conteúdo para o mundo inteiro. Foi preciso eu chutar um cep americano lá qualquer pra poder bisbilhotar. Mesmo assim não consegui. O problema até hoje não foi identificado nem pela China. Numa segunda tentativa frustrada, hoje pra ser mais exato, tentei ver algum vídeo pelo hulu.com, mas a mensagem era a mesma: conteúdo disponível apenas dentro dos EUA. Invadir países militarmente, vir aqui pra américa do sul enfiar uma base militar na região que guarda a maior reserva de água doce do planeta, infiltrar centenas de espiões e ladrões na Amazônia disfarçados de ONG's e de pesquisadores de borboletas, abrir fast food daquele palhaço sem graça mundo a fora, isso eles sabem. Agora abrir uma simples janelinha pop up pra um brasileiro em desenvolvimento tentando se alinhar à dinâmica da globalização, nada feito. Logo eles que tanto defenderam e prometeram livre circulação de informação around the world, blá, blá blá, e na hora H colocam tanta barreira, justamente, na internet. Acho que ignoram o impacto psicológico desse tipo de atitude em crianças e adolescentes espalhados pelo mundo que já transformaram definitivamente o mundo virtual na sua realidade real. Tudo tem um custo eu sei, mas promessa é dívida. Tudo bem, o youtube tá lá, mas eu queria ver uma coisa diferente com uma qualidadezinha melhor, do you know?
Resolvi esquecer. Continuei então navegando quando me bato com o mais famoso site nos EUA que oferece serviço de digitalização de fotografias com qualidade, segurança e eficiência inigualáveis. Bem, falando em fotos:
Clique aqui para a primeira experiência.
Clique aqui para a segunda experiência.
Enfim, tentei falar com a moça do suporte via chat, mas quem me respondeu foi uma máquina dizendo que não havia operadores disponíveis no momento. Tinha um linkzinho ali do lado para solicitações internacionais (pelo que pude entender), mas estudante de administração que se preze gosta de submeter as organizações a um testezinho de vez em quando. Tudo bem que era sábado, 22:00 hs, fuso horário, eu não tinha nada pra fazer... mas era país de primeiro mundo, poxa. Quando fecho a janela porque ninguém quis falar comigo, me aparece outra, perguntando amigavelmente como eu classificaria a qualidade do suporte. Uma merda, claro. (não havia essa opção)
Fiquei me perguntando se os EUA tavam pegando a mania do Brasil, ou se a crise daquele país tinha chegado no meu quarto.

26 de setembro de 2008

A falha de Marx e o apogeu do Tchan

Tenho a impressão de que no Brasil a mulher que possui a bunda grande usufrui de mais poder e direito que o restante dos seres mortais desbundados. Claro que o tamanho grande já lhe confere, naturalmente, maior espaço na sociedade, pelo menos, geometricamente falando. Em certas situações estreitas, como dentro de um ônibus, num beco, num corredor, no empurra empurra de um supermercado ou avenida de carnaval, a mulher bunduda leva vantagem sempre. Não há como concorrer.Trata-se de um bundagopólio. Talvez por isso, por na prática, no cotidiano perceber esse poder de obter mais espaço que qualquer outro ali do seu lado, a mulher bunduda acaba experimentanto um certo sentimento de superioridade. Como em nossoa cultura, o homem, reformulando inconscientemente a psicologia da Gestalt, considera a bunda não só diferente, como também mais importante do que a soma de todas as outras partes do corpo feminino, por motivos quem nem Gilberto Freyre soube explicar, e é visualmente controlado pela trajetória que a bunda percorre, em qualquer tempo e espaço, a mulher que detém esse atributo, passa a exercer domínio sobre indivíduos do sexo masculino e, por conseguinte, sobre a sociedade, o que a faz viver à exceção da teoria de Darwin, pois não precisa se adaptar a nada para sobreviver.
Acho, portanto, que a bunda, tomando como perspectiva seu volume e consistência, constitui, na sociedade brasileira, um fator determinante da posicão social da mulher, entendendo-se por isso status e controle social, o que significa que Marx estava bundásticamente equivocado quando achou que as condições materiais é que determinavam a situação social dos indivíduos.
Na verdade, Marx falhou porque não visitou o Brasil nem conheceu Carla Perez. Perdeu a oportunidade de ampliar sua teoria por viver enfronhado e alienado no meio de tanta inglesinha chulada.
Aqui na Bahia, ah... na Bahia...quem tem bunda manda, que tem juízo sai da frente.

21 de setembro de 2008

confessa Saramago, confessa...

Entrevista com Saramago - Ensaio sobre a cegueira

Josué: Em que ou quem o senhor se inspirou pra compor essa obra?
Saramago: eu estava em Brasília quando...
Josué: ok, thanks.

20 de setembro de 2008

ponto crucial

Eu já pensei em escrever sobre coisas importantes. A partir daí, eu parei pra pensar o que realmente seria importante. O que era importante pra mim hoje talvez não fosse daqui há uma semana. Então seria melhor falar sobre coisas muito importantes que o seriam pro resto da minha vida. Mas isso não signica que seriam importantes pra mim agora. O que é importante pra mim também talvez não fosse importante pra um urso polar ou pra tartarugas marinhas. Talvez não fosse importante pro presidente da república nem pra comunidade científica internacional. O que seria importante pra mim, talvez não o fosse pra Obama nem pra um homem-bomba palestino. Assistir pica-pau por exemplo, de vez em quando, é importante pra mim. Fazer as coisas que quero, do jeito que eu quero, na hora que quero, também é importante pra minha saúde mental, mas nem sempre isso é possível. Talvez por isso eu tenha o hábito nocivo de escrever de madrugada, porque minha necessidade de conceder liberdade ao meu cérebro pra que ele se pronuncie da forma como poucas vezes se sente à vontade para se pronunicar é nesse horário. Eu acho que preservar a vida de um peixe de aquário seja importante, embora para outros cometer chacinas seja coisa banal. É importante pra mim dormir bastante. Sinto-me melhor assim. Mas não vou culpar quem é viciado em trabalhar. É importante pra mim falar o que penso porque talvez seja a única maneira existente pra se liberar o conteúdo mental. É importante pra mim fazer as coisas no meu ritmo sem ser atropelado. É importante pra mim ficar comigo mesmo e rir sozinho das coisas que lembro e imagino. É importante pra mim querer e depois não querer mais, enfim, não é só o mundo que muda. Embora a vida seja uma só, é importante pra mim errar, porque usei esse método quando criança e deu certo. Eu tenho 28 anos, então acredito que o tempo passa e é importante pra mim também deixar as outras coisas passarem.Eu não sei o que é importante pro meu vizinho. Eu não sei o que é importante pra cada um dos habitantes de nosso planeta.
Ah, pouco me importa.

por que não eu? ah ah...

Nas próximas eleições para prefeito eu vou me candidatar e, evidentemente, votar em mim mesmo. Por que devo votar numa pessoa que nunca vi, nunca toquei, com quem nunca conversei, nunca senti o bafo, o cheiro, não sei se existe mesmo ou se é uma alucinação cinematográfica? Eu, pelo menos, convivo intrinsecamente comigo mesmo há 28 anos e sei todos os meus defeitos, manias e falsidades. Já li Maquiavel de cabo a rabo. Vou fazer um curso de oratória e nos comícios vou prometer saúde e educação, abraçar o povo na periferia, dizer que amo minha cidade e que vou gerar emprego e renda. Tenho certeza de que não existe outra pessoa mais confiável do que eu mesma pra conceder meu voto.
Minha sugestão? Que cada indivíduo em plena posse de suas faculdades mentais faça o mesmo.

13 de setembro de 2008

forever

Quando eu era pequeno eu achava que a vida era infinita.

11 de setembro de 2008

365 dias

A liberdade me intriga. Não fazer nada talvez constitua crime na sociedade do trabalho. Se eu parar, o mundo implode.Tenho que respirar no ritmo da atualização de um jornal eletrônico. Olha só, eu não quero fazer nada hoje. O problema é meu, a vida é minha. Se a Terra demora trezentos e sessenta e cinco dias pra dar uma voltinha em tono do sol não sou eu quem vou acelerar nada. Quero antecipar pro nosso país tupiniquim o ócio criativo. No mínimo, mofo eu garanto criar. Mofo é uma forma de vida. O resto, só depende da evolução das espécies. Por que eu preciso responder pelos meus próprios atos se Freud já disse que nem mesmo eu sei porque faço ou deixo de fazer? Se alguém tem dificuldade pra entender a causa de meu comportamento sugiro que faça um curso de interpretação de sonhos. Eu não estou aqui reclamando liberdade religiosa, política, econômica, nem de expressão. Isso já tá incluso no pacote básico. Eu quero liberdade pra passar uma semana no quintal de casa tacando pedra em rabo de lagartixa. Eu sei que na vida em sociedade todo mundo tem que fazer sua parte e ninguém vai sustentar um vagabundo e que eu preciso pagar meus impostos pra ter meu carro roubado e morrer numa fila de hospital. Mas, eu quero um tempo, uma dácada, pode ser? Que tal repartir melhor esse bolo? Talvez um salário mais robusto pra eu me tornar logo um consumidor compulsivo. Eu não preciso de uma faca de trezentos mil dólares que corta de algodão a chapa de aço de dois quilômetros de espessura, mas eu compro, ok? Eu compro e depois não jogo fora, mando pra uma indústria bélica como doação porque tenho consciência ambiental.
Ah,esse ano não vou fazer compra de Natal. Nunca vi Papai Noel in my life e lá em casa nem chaminé tem. Na verdade, Papai Noel é um pilantra. Todo ano diz que vem, mas no final das contas quem acaba no Serasa sou eu. Espírito de Natal? Já tenho o meu próprio espírito, obrigado. Eu não quero essa rotina humana. Eu quero me mudar pra Brasília e viver um conto de fadas. Quanto aos adolescentes, é importante salientar que não existe mais crise de identidade hoje em dia. Eles sabem perfeitamente que são pessoas ansiosas, estressadas, compulsivas e neuróticas. Olimpíadas pra mim só se for de meditação e ioga. Também não quero viajar de avião. O balão é a solução definitiva pra todos os males da civilização. Quando não servir mais, joga na Amazônia. Não é nossa mais mesmo.

7 de setembro de 2008

Um centímetro por favor

Eu sempre achei ônibus uma entidade esquisita. Eu até devo ter achado natural em algumas ocasiões mas, simplesmente, porque o cérebro deixa de agir de forma consciente e crítica quando um comportamento se torna hábito. Primeiro o indivíduo vai pro ponto de ônibus e, após bastante tempo perdido esperando, tem que usar algo que não lhe pertence e que é dirigido por um ser totalmente desconhecido. Outras pessoas também esperam o mesmo veículo e tomarão o mesmo destino embora tenham destinos de vida totalmente diferentes. Quando o veículo chega, o sujeito tem que competir para entrar naquela brecha que todo mundo quer passar primeiro como se do outro lado houvesse um baú abarrotado de diamantes. Passada a fase do "farinha pouca, meu pirão primeiro", também conhecida como a fase do esmagamento em legítima defesa, chega o momento de pagar. Se faltar cinco centavos o cobrador olha com cara feia e é capaz de mandar o sujeito de volta à terra dos sobreviventes. O problema maior é quando o ônibus enche e aí fica todo mundo apertando todo mundo como se fosse uma suruba. Pessoas totalmente desconhecidas, que não têm nenhuma intimidade física nem espiritual umas com as outras, ficam ali se empurrando, se esfregando, se acotovelando. Eu não entendo como pessoas diferentes, com objetivos diferentes, com necessidades de distanciamento diferentes, com compatibilidades físicas diferentes, têm que ficar todas ali espremidas umas nas outras, formando uma só carne. No interior tudo bem. Todo mundo conhece todo mundo. Aí sim, dá pra aceitar algum nível de intimidade. Mas numa cidade grande, o indivíduo ter que ficar grudado no outro, às vezes horas de viagem, é realmente um desgaste psico-físico. Contato é bom, eu sei, eu gosto e é importante pro desenvolvimento psicológico e emocional dos seres vivos. Mas é realmente um saco ter que ficar junto na marra, numa intimidade que não tenho nem com minha cadela. Acho que é hora de repensar isso. Porque andar de ônibus cheio, em pé, é antes de qualquer coisa, um atentado ao direito essencial do homem de manter um mínimo de distância de tudo aquilo que ele sente vontade, desejo e necessidade de manter distância.

5 de setembro de 2008

No meio do caminho, um cavalo

Era noite quando meu pai chamou a mim e a minhas irmãs no quarto para assistir a um filme. Eu grudei meus olhos numa tv Sanyo colorida 14" para assistir aquele filme fantástico que fez parte da vida, das brincadeiras, dos sonhos e da imaginação da galerinha anos 80/90. Era Superman. Acho que o ano era 1986 e eu teria uns 6 anos. Naquele quarto pequeno, eu vi pela primeira vez o homem que vestia uma capa vermelha, tinha um S enorme no peito, voava e tinha super-poderes. Quando Christopher Reeve caiu do cavalo e ficou tetraplégico, fiquei emocional e intelectualmente inconformado. Pra mim, a maior ironia da vida, da história da humanidade e do cinema mundial foi aquele homem extraordinário, vindo de outro planeta, com super-poderes para proteger a humanidade e lutar por justiça, agora, não ter poderes sequer pra andar. A imagem do homem-de-aço numa cadeira de rodas, que mal conseguia mover o pescoço, na verdade provocou um choque na mente de milhões de habitantes de nosso planeta. Claro que o ator não era o homem de aço, mas nossa mente tende a associar as coisas. O cérebro humano absorve qualquer imagem como verdade, tende a misturar fantasia e realidade como se a mesma coisa fossem. É evidente que distinguimos uma coisa da outra. Mas, mesmo fazendo a devida separação, o fato é que mito já havia sido criado. Mesmo sabendo que o ator e personagem eram indivíduos distintos, toda a simbologia do supremo protetor da América, de alguma forma personificada, encarnada no ator, fazia parecer que o homem de aço é quem tinha caído do cavalo. A mente precisava de um tempo pra descontruir a fantasia.
Descontruir. Penso que esta seja uma das atividades que mais fazemos no decorrer da vida. Quando crianças construímos um mundo. É certo que a criança tem muitas dúvidas, mas de um modo geral, o mundo da criança é mais coeso. O mundo é entendido de uma forma mais simples e coerente. Um mundo dado, onde tudo funciona de forma harmônica. O mundo pra criança é algo que sempre existiu e sempre existirá. Mas o tempo vai passando e o mundinho infantil vai começando a sentir seus primeiros abalos sísmicos. Mais à frente, algumas tempestades e terremotos e, pronto, um mundo foi desconstruído. Mas mundo é algo muito grande. Talvez por isso, não é todo dia que desconstruímos um. Mas não é por isso que deixamos de desconstruir durante o resto da vida. Desconstruímos e reconstruímos nossa visão sobre tudo que existe num processo contínuo e interminável de resignificar as coisas. As coisas acontecem lá fora nos forçando a repensar. Tenho a sensação de que desconstruo com frequência. Não no sentido de reviravoltas. Mas as coisas vão ganhando novos contornos, surgem novas cores, novos contrastes, linhas se quebram ou se alongam, ganham novos tons, nova textura sem, necessariamente, mudar sua essência. É certo que as experiências que passamos vão moldando e definindo nossa percepção, alterando nossa forma de interpretar e compreender as coisas. Eu acho que nunca olho pra uma foto e percebo a mesma coisa. Eu mudo e a foto muda também. É algo sutil.
O que falar então das pessoas e dos eventos sociais, que diferente de uma fotografia não estão parados no tempo? Estamos diante do caos. Precisamos organizar mentalmente o caos. A realidade se apresenta fragmentada e eu preciso formar uma figura coesa. Eu preciso de uma fotografia do mundo e acreditar que o mundo seja aquela fotografia. Se diante do estático mudamos nossa forma de enxergar conforme o tempo passa, diante do caos parece que queremos o estático. De qualquer forma, me parece que ambos envolvem desconstrução. Alguém já disse que nossa mente não gosta de ambigüidades. Precisamos formar modelos mentais coerentes. O problema é quando imaginamos que o mundo se resume às nossas fotografias.
Acho que com tantas mudanças que vivemos nos sentimos na verdade impelidos a desconstruir quase sempre. As pessoas discutem a todo momento o papel do indivíduo na sociedade, do governo, da tecnologia, da ciência, do trabalho, da família.
Enfim, é desconstruindo que temos a possibilidade de redescobrir.
Pelo menos, na minha cabeça, super-homem não é o único mito que precisa cair do cavalo.

4 de setembro de 2008

coisa de gente

A mulher entrou na sala e fechou a porta. Nesse dia, havíamos eu e alguns poucos alunos. Ela disse que era uma psicóloga e pediu pra gente fechar os olhos. Fechar os olhos e refletir. Foi meu primeiro contato com uma psicóloga, com o que ela dizia ser psicologia e eu devia ter uns doze anos e não sabia o que era refletir. De qualquer forma, não tive medo de fechar os olhos. Eu fazia isso todo dia quando ia dormir. Ela então foi ajudando. Não lembro exatamente o que ela falou. Eu também não lembro geralmente de quase nada. Acho que ela falava pra gente pensar sobre o que tava passando na nossa cabeça. Então depois de alguns minutos eu fui começando a entender o que era esse negócio de refletir. Fechar os olhos pra pensar. Ninguém falava nada. Só a mulher com uma voz branda ia conduzindo aquela experiência. Depois que ela mandou agente abrir os olhos, tive a sensação de que aquilo tinha sido, de fato, algo absolutamente novo. Acho que foi um mergulho dentro de mim. Um mergulho raso, segurando na bóia, coisa de iniciante.
Mas antes de ser cobaia nesse experimento científico, acho que já tinha feito algumas reflexões na minha vida. Sobre o mundo e sobre mim. Quando eu tinha uns cinco ou seis anos, minha mãe falou que a vida era uma luta. Com minha mente infestada de desenhos animados, eu imaginava que a luta que ela falava era um monte de gente brigando a murros. Acho que essa foi minha primeira projeção de futuro. A vida seria um lugar onde as pessoas agiam com violência pra conseguir alguma coisa. Parece que não errei muito. É engraçada a descoberta da vida e de nós mesmos. Descobrimos que temos mãos, rosto, que podemos andar, pular, correr, mas não voar. Descobrimos que pertencemos a uma família, que existe vizinho, que podemos fazer amizades, escolher algumas coisas, que sonhamos. Descobrimos que moramos fora e não dentro da Terra. O tempo vai passando e descobrimos que temos sentimentos, que gostamos de alguém, que podemos sofrer, que tudo tem limite, que as coisas mudam, que um dia vamos ficar velhos, que os adultos praticam uma coisa chamada sexo. Descobrimos que as pessoas mentem, podem matar e que nem sempre nos querem bem. Descobrimos que o futuro é incerto, que os políticos são corruptos, que mãe só existe uma, que a vida é passageira, que tudo na natureza nasce, cresce, se reproduz e morre. Descobrimos que o espaço é infinito, que existem guerras, que na sociedade há dominantes e dominados e que nem tudo tem resposta.
Não sei se a psicóloga lá da quinta séria me ajudou em alguma coisa. O que sei é que a vida é cheia de cenários que construímos e desconstruímos para depois construir de novo.

melhor a curva

O mundo não é uma bola oval por acaso. Num Roda Viva este ano, o professor de dança Ivaldo Bertazzo, num certo momento da entrevista, deu um pulo da cadeira para imitar a postura corporal, geralmente comum aos meninos da periferia que participavam de suas aulas. Como não posso fazer o mesmo aqui, peço que imaginem a figura de Smeagol. Isso mesmo, aquela criaturinha do filme Senhor dos Anéis de corpo rígido, corcunda, que falava com a cabeça esticada para a frente. Foi mais ou menos essa imagem que o professor reproduziu. O que ele queria dizer é que não encontrava suavidade na expressão corporal daqueles meninos. Diante dessa rigidez, Ivaldo dizia que se tornava difícil ensinar a esses meninos movimentos aparentemente simples como estender os braços com a leveza com que faz um bailarino. Acho que não é uma questão só de corpo, mas de pensamento também. Pensadores e estudiosos de diversas épocas têm percebido a íntima ligação entre corpo e pensamento, indicando que quanto mais travado for o corpo, menos o pensamento flui, menos estaríamos abertos a novas idéias. O sentido inverso também seria verdade. Em Ecce Homo, Nietzsche soltou que um homem de corpo rígido também pensa de forma rígida. É certo que ele não revelou nenhum mistério da humanidade. Talvez tenha chegado a essa conclusão observando seu avô. Não parece estranho que agente vai ficando velho, sedentário e, enfim, um cabeça dura. Nesse ponto de vista, flexibilizar o corpo funcionaria também para flexibilizar a mente. Ninguém pensa direito com um corpo tenso. As idéias não fluem quando o corpo está enrijecido. Como Ivaldo tava falando em periferia, me veio à mente o Hip Hop. Acho legal e importante a atitude de crítica social promovida por esses caras. Eu também adoro fazer isso. A minha desconfiança é de que o discurso, em geral, naquelas músicas, querendo ou não, acaba assumindo uma forma rígida, da mesma forma, como a dança é rígida, com aquele movimento de braços que só me lembra um juiz martelando uma sentença. Não estou querendo que o Hip Hop mude suas idéias. A pergunta que me faço é se uma mudança na coreografia mudaria alguma coisa dentro daquelas cabeças. Pensei em outros casos. O exército, por exemplo. Soldados com movimentos mecânicos, metódicos, e aquela mentalidade estreita de mundo que só enxerga ameaça e conspiração. Ou, no extremo, falarmos de governos autoritários, ditadores feito Hittler: gestos sempre robóticos, verdade absoluta. Outra coisa são as estátuas. Uma estátua não simboliza apenas personificação do poder e culto à personalidade. Sem dúvida, a rigidez duma estátua simboliza também o esforço de perpertuar uma ideologia. Domenico de Masi, num livro sobre grupos criativos, fala da linha reta em oposição à curva e cita um pensamento de Oscar Niemeyer: “Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu País, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o Universo - o Universo curvo de Einstein.” Dessa forma, o autor associa a criatividade, o pensamento livre e flexível à linha curva, à quebra da rigidez do que é reto. Ainda que alguns defendam que a linguagem do universo seja pura matemática, prefiro a perspectiva de Niemeyer. Apesar de toda lógica por traz do universo, pelo menos as nuvens que conheço não formam figuras geométricas. Seria um tédio olhar pra uma nuvem e ver um triângulo.
Se o universo de Einstein é curvo, parece também cabível a sugestão de flexibilizar o corpo.

Talvez, isso nos ajude a pensar de forma mais livre e abrangente.
Só não me peçam pra fazer Ballet.

2 de setembro de 2008

em algum lugar...

Eu não gosto da palavra logradouro. Logradouro, pra mim, soa como uma das palavras mais estranhas, esquisitas, impróprias, deselegantes, desajeitadas, antipáticas, mal-formuladas que a humanidade já foi capaz de conceber. O indivíduo pode morar num beco ou na avenida mais charmosa do país. Independente do buraco ou da alameda de pérolas onde resida, aquele espaço será sempre e impiedosamente chamado de logradouro. Acho que quem inventou essa palavra não tinha noção de espaço, residência, localização, habitat. Talvez fosse uma entidade extra-terreste que jamais ocupou algum lugar no espaço. Talvez o vácuo existente entre dois átomos criou o logradouro. Definitivamente, logradouro é coisa que não combina com a espécie, muito menos com a linguagem humana. Não combina com lugar nenhum. Não combina com a dicção, o timbre, o tom, a articulação verbal de nenhuma criatura humana. Talvez seja a abstração mais imperfeita que alguém ser já elaborou. Quem sabe seja a única coisa no universo que não deveria ter razão de ser.

1 de setembro de 2008

igual ou diferente

Acho que uma das maiores dificuldades do ser humano é respeitar e compreender a singularidade de cada um. Entender finalmente que as pessoas são diferentes. Cada indivíduo desenvolveu seu modo de ser como base nas experiências que passou, na sua forma particular de perceber o mundo. Cada indivíduo percebe e sente o mundo de uma maneira única. Por que então quero que os outros pensem e sintam do meu modo? Por que quero que os outros gostem e façam as coisas igual a mim? Por que o que eu julgo importante tem que sê-lo pro outro? Parece que o trabalho quer nos tornar iguais. Parece que os meios de comunicação de massa querem que pensemos igual. É certo que alguns homens querem dominar outros e, para isto, impõem aos pobres mortais sua visão de mundo reduzida e medíocre. Mas não é só isso. O mau dessa estória é que pegamos essa mania. Essa mania de supor que os outros devem agir como nós. Essa mania de querer que todos vejam e façam as coisas de nosso modo. Essa mania de querer impor ao outro nosso ponto de vista particular e restrito do universo. É claro que pra haver sociedade tem que haver consenso, harmonia. As pessoas precisam se entender para que possam ir adiante. Mas isso não significa que tenhamos que anular a individualidade, o jeito de ser de cada um. Como se livrar de todo esse fantasma cultural que sempre está nos dizendo o que e como devemos ser? Talvez queiram manipular o que penso, então prefiro observar minhas sensações. O que sinto é muito meu. Posso escrever versos e versos descrevendo minhas sensações sobre o mundo. Isso é um exercício muito bom. Só eu sinto assim, e quero manifestar isso. Não preciso nem devo ser igual a ninguém, porque nos foi dada a liberdade de interagir com o mundo de forma única.
Geralmente o que sentimos depende de como interpretamos. Mas, independente de como querem que eu pense, continuamos sendo diferentes. Porque o que percebo depende de meu humor, minhas expectativas, minhas ideologias, meus sentimentos, meus estereótipos, minhas experiências, meus objetivos, minhas emoções, minhas crenças, meus valores, minha respiração. Enfim, o que percebo depende de tudo o que sou e de como estou. Se quero que o outro seja igual a mim, ignoro o direito e a liberdade que cada um tem de ser o que é. Ignoro que à minha frente existe um ser humano.

Jamais

Eu jamais gostaria de mentir pra uma criança olhando em seus olhos. Eu jamais gostaria de mentir olhando naqueles olhos ingênuos, transparentes de criança que acreditam se tratar de verdade tudo que dizemos. Pra elas, o que falamos basta. Não precisamos provar, demonstrar, jurar. O que falo, os olhos castanhos e redondos de minha sobrinha absorvem como verdade absoluta. Porque as crianças acreditam nos adultos. As crianças acreditam no ser humano.