29 de abril de 2008

Aqui se vive, aqui se paga

Estudo realizado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), divulgado nesta segunda-feira, 28/04/08, revela, entre outras, que "o brasileiro que nasce em 2008 (calma,você não nasceu em 2008!) trabalhará metade de sua vida para pagar tributos". “Isso demonstra sensibilidade do Estado brasileiro para com a população,”- comentou meu vizinho, secretário particular de assuntos escandalosos -“pois poderia ser a vida toda”, completou. Segundo o estudo, a expectativa de vida do brasileiro, de 1900 pra cá, cresceu 116%, enquanto que “a expectativa de pagamento de tributos aumentou 245%”. Isso significa que hoje, além de pagarmos pelos anos de vida a mais que desfrutamos aqui na terra, o excedente se refere ao pagamento antecipado por nosso tempo de vida no além, evitando assim um possível calote espiritual. “Cobrar antecipado na forma de excedente é uma medida bastante razoável”, comentou meu vizinho, “pois o governo ainda não dispõe de tecnologia que possibilite tributar almas”. Uma segunda corrente possui uma tese diferente. Ela reforça que ninguém veio ao mundo para viver de graça, principalmente agora que se pode viver mais. Mas, numa concepção menos filosófica, não acredita que haja pagamento “antecipado”, embora reconheça que esta seja uma prática da atual política tributária brasileira. Em compensação, aqueles que ainda tinham a esperança de que só na outra vida pagariam pelas maldades cometidas em sua presente vida, têm agora a oportunidade imperdível de rever suas crenças já que, segundo essa corrente, os estudos demonstram o que minha avó já dizia: "Aqui se vive, aqui se paga."
Conspiradores de plantão especulam que o governo já estuda um projeto de lei que criará um imposto específico - diga-se de passagem, provisório - sobre a média de volume de oxigênio consumido por cada cidadão vivo. Não se sabe ainda explicar o que estaria motivando esse projeto. De qualquer forma, a notícia boa é que o pagamento do tributo, se entrar em vigor, não terá caráter compulsório, incindindo apenas sobre aqueles que optarem por respirar.
Quem quiser ter uma indigestão hoje, antes ou depois do almoço, pode verificar o estudo completo em:
http://www.ibpt.com.br
Importante: Ao acessar esse site você será tributado.

28 de abril de 2008

Devolva minha boneca!!

O governo do estado de São Paulo, numa atitude consciente à qual já está habituado, resolveu no domingo, 27/04/08, através de sua Secretaria de Segurança Pública, fazer uma demonstração em público e para todo o Brasil do quanto se preocupa com o dinheiro quem vem da mão do povo. Aproveitando os olhos e olhares consternados de todos os brasileiros que acompanhavam a simulação pelos peritos do assassinato da menina Isabella e sem pagar um centavo pela publicidade, fez o repórter da BandNews, que estava narrando a reconstituição, engasgar três vezes no momento em que um dos peritos jogou a boneca janela a baixo. Como (1) a trasmissão era ao vivo, (2) o repórter estava mal informado e (3) os fios que prendiam a boneca eram praticamente imperceptíveis para quem assistia pela tv, o repórter rogou por luz aos céus durante seus segundos de desespero, para que pudesse entender e explicar ao público o que ele próprio não conseguia compreender: a boneca foi jogada, mas, por interferência dos deuses ou falha da teoria de Newton, ficara suspensa no ar. Minutos depois, alguma fonte secreta e misterioso informou: a boneca parara no ar, não por motivo sobrenatural, mas por decisão da Secretaria de Segurança Pública de reduzir custos. A boneca encomenda da Alemanha, havia custado ao povo U$ 2.500,00, tinha o tamanho e peso da menina e era feita de uma borracha especial e, claro, não era necessário repetir o crime. A justificativa poderia ser outra como, simplesmente: a queda da boneca não influencia no resultado. Entretanto, não podemos dizer que o governo se aproveitou da situação para se dar ares de correto. Além do mais, todos sabemos que os outros milhões desviados, que os jornais noticiam todos os dias, seguirão seu rumo (subindo ou descendo) sem interrupção alguma. Interromper a trajetória, só se for pra economizar.

26 de abril de 2008

O besouro e a origem do mal


Um dos grandes paradoxos da sociedade contemporânea diz respeito ao dilema "genética versus ambiente". A atribuição de causas, podemos dizer, em muitos casos, é um ato revestido de um certo... cinismo, diga-se de passagem, que visa, claro, à preservação da prórpria pele. Creio cinicamente que depois que o homem descobriu o gene, pôde, enfim e, a partir daí e, para todo o sempre, deitar no travesseiro sem um pingo de culpa na consciência. Tal descoberta fará o homem dispensar qualquer religião que limpe sua alma dos pecados agora geneticamente praticados. As descobertas em torno de nossa base genética significará, então, uma nova divisão na História da humaniade, pois, se o que salva o homem é o gene, o que o Filho de Deus veio fazer aqui?
A cultura, por outro lado, entra para dizer que tudo é cultural, claro. Hoje, enquanto o genético (natural) nega a cultura, ou a ação dos modelos culturais sobre o comportamento humano, o cultural nega, por sua vez, condições que o homem sempre acreditou ser natural, como a própria natureza humana. Como a maioria dos cientistas acredita haver uma influência de 50% a partir de cada um desses fatores, o resultado é que decidimos adotar por convenção a conveniência. (É conveniente salientar que a conveniência é a única verdade absoluta que regula o universo). Três casos noticiados essa semana em jornais e revistas, nos servem como exemplo. Antes disso, apresento-vos - do lado natural - três ilustres causadores de quase todos os males que a humanidade já experimentou: são eles o beseouro Dendroctonus ponderosae (mais conhecido como o besouro-fumaça), a enzima MAO-A (Mao não significa necessariamente, mas talvez, consequentemente, uma referência ao ditador chinês) e o gene AVRP1 . Do besouro temos a foto, copiada gentilmente por mim. Quanto aos outros, infelizmente, não foi possível fazer o mesmo.
O primeiro caso se refere ao besouro. Embora esse nefasto inseto seja detendor de um corpúsculo "do tamanho de um grão de arroz", sua ação sobra a natureza produz efeitos catastróficos, isso porque "ao matar árvores, (o) animal faz com que árvores liberem gases-estufa na atmosfera", assim, ele "poderá ser o responsável por transformar as florestas da América do Norte em gigantescas fontes de dióxido de carbono, o mais importante gás ligado ao aquecimento global". Ou seja, esta pesquisa, que deve ser publicada na revista Nature, dirigida por Werner Kurz do Serviço Florestal Canadense, indica que o "besouro que destrói florestas é (o) novo vilão do aquecimento global". Não sei o sabonete que foi usado, mas tenho certeza que após a divulgação dessa pesquisa, políticos e o empresariado do país mais poluidor do mundo lavaram as mãos. Se o mundo um dia acabar por efeito do aquecimento global, pelo menos já se tem a certeza científica de que quem vai arder no inferno são esses malditos besouros.
O segundo caso surge da aliança entre a enzima e o gene. Conforme explica o estudo realizado pelo Instituto de Psiquiatria de Londres e objeto de uma reportagem da revista científica New Scientist, noticiado pela BBC Brasil neste mês, tal enzima "regula a quantidade de serotonina no cérebro, molécula que tem um papel importante no controle da agressão". "O resultado indicou que crianças que sofrem algum tipo de abuso na infância e possuem uma forma pouco ativa da MAO-A têm três vezes mais chances de apresentar uma desordem comportamental e dez vezes mais chances de serem condenadas por um crime violento". Já o gene AVRP1 "permite a atuação sobre o cérebro da vasopresina, um hormônio que se vincula à sociabilidade e à afetividade dos mamíferos." Em 2005 já se havia descoberto que este gente estava diretamente relacionado ao altruísmo. A novidade esse ano foi a afirmação do pesquisador israelense Richard P. Ebstein, vinculando tal gene ao comportamento egoísta dos ditadores "a partir das conclusões de um estudo publicado na edição deste mês da revista científica Genes, Brain and Behaviour". Percebe-se que tais conclusões partem da análise de um gene e uma enzima. Quando descobrirem todos os outros que nos tornam sejeitos maus, poderemos iniciar uma campanha para canonizar Hitler e companhia. Só não entendo porque tinha que haver um israelense no meio disso...
Como não só com causas naturais explicamos nossos atos auto-destrutivos, podemos recorrer, como já dito, à cultura. Bem, do lado cultural, podemos citar como exemplo (terceiro caso) uma entrevista com o psicanalista francês Charles Melman que a revista Veja de 23/04/08 publicou logo após a reportagem especial sobre o caso Isabella. A entrevista abordava a questão da "dissolução do núcleo familiar" ou o processo de extinção da instituição familiar. Ou seja, quem hoje em dia jogar um filho de janela a baixo pode, num divã, aliviar sua alma encontrando explicações para seus atos de crueldade nos padrões sociais vigentes.
Como vimos, não precisamos de muita coisa hoje em dia para nos insentarmos de responsabilidades: basta um besouro, uma enzima e um gene. Se não funcionar, a culpa é de minha mãe.

A revolução do cabelo

“Desde sempre, ao longo da história das civilizações, a cabeleira tem representado um elemento fundamental da personalidade humana, sustentáculo da beleza, do fascínio, da sedução e, às vezes, até mesmo do poder e da força... e, nos dias atuais, a mesma cabeleira conserva ainda um profundo valor simbólico...” (brasil.calvizie.net)

Houve uma revolução no universo feminino concernente à sua estética, comportamento, valores e estilo de vida devido ao um elemento muito singular: o cabelo. Melhor dizendo, devido ao ato (ou processo, em alguns casos) de alisar os cabelos. É claro que poucos perceberam ou comentaram sobre isso, mas o fato é que o ato de alisar os cabelos e a descoberta de que as mulheres agora, quase todas, poderiam ter cabelos lisos, provocou uma das maiores revoluções comportamentais de nosso século, superando até mesmo o tão proclamado movimento feminista. Como isso aconteceu? Vejamos:
Mariazinha era uma menina do interior da Bahia. Vivia subindo e descendo morros, correndo atrás de vaca, subindo em pé de siriguela, carregando lata d’água na cabeça, correndo descalça, atirando pedra em lagartixa, tomando banho em açude. Como se pode perceber, era uma pessoa de natureza simples, de comportamento não-industrializado, que ignorava aspectos do mundo padronizado, civilizado e de consumo e lazer alienados da sociedade moderna. Aos olhos de alguns preconceituosos, era semelhante ao um ser primitivo, não aculturado, uma espécie em extinção.
Ocorreu que num certo dia claro em que quase não se viam nuvens no céu (“nuvens no céu” como efeito poético, considerando-se que lá é o lugar onde geralmente residem), Patricinha, sua prima, foi visitá-la. Chegou à sua casa, bateu à porta. Quem veio atender foi sua mãe. Mariazinha não estava. Patricinha então resolveu esperar sentada no sofá. A essa altura, a menina da cidade já havia “fotografado” todo o ambiente da casa, ao qual ela atribuiu rapidamente todos os adjetivos pejorativos que até então pertenciam ao seu extenso vocabulário. Adjetivos pejorativos eram, aliás, as palavras que ela assimilava com mais rapidez nas aulas de gramática. Foi a partir dos adjetivos que Patricinha descobriu que as palavras tinham poder, principalmente quando sentia de volta os efeitos de suas manifestações verbais.
Mariazinha recebeu o recado, e veio correndo ladeira abaixo rumo ao encontro da prima que não conhecia. Os cabelos grandes e soltos, encaracolados, castanho-claros, balançavam ao vento em forma de ondas. Quando isso ocorria, era comum seu Antônio do bar, um velho de dois séculos de existência, deixar seu fumo cair e queimar a perna. As bolas de sinuca também nunca acertavam e um ou outro picolé caia no chão.
Chegando à casa, o inevitável: como diria Darcy Ribeiro, houve o que poderíamos chamar de “enfrentamento de mundos”. Os cabelos de Patricinha eram lisos, retos, uniformes, esticados, concentrados, numa harmonia perfeita com a lei da gravidade. Já os de Mariazinha, como já citados, eram livres, dados ao vento, ao sabor da natureza, do momento. Os olhos de ambas ficaram por alguns instantes assim, mirados uns nos cabelos da outra, como que tentando interpretar o sentido e direção de objeto deveras estranho. Patricinha, amante de adjetivos pejorativos de rótulos de xampu, tratou logo de classificar os cabelos da prima de “rebeldes, secos e quebradiços”, arrancando de Mariazinha uma respiração profunda, um rosto pálido e olhos esbugalhados. O fato é que no final das contas, Mariazinha foi passar uns dias na casa da prima na cidade, onde conheceria um instrumento de alisar cabelos. Isto iria mudar para sempre sua vida. Nos meios sociais que passou a freqüentar, seus cabelos naturais não eram mais vistos com aquela admiração de antes. Patricinha, que era sempre sincera, logo chamou a prima no canto e disse que ou ela mudava para sempre aqueles cabelos que lhe conferiam a imagem concreta de bicho-do-mato ou não sairia mais com ela. Mariazinha, embora tenha ficado magoada por algum tempo com tão arrogante declaração, cedeu às pressões da prima e passou também a usar cabelos que não contrariariam jamais a teoria de Newton. A partir daí, observou-se uma mudança de comportamento que nenhuma teoria de aprendizagem seria capaz jamais de prever. Maria, agora, não se chamava mais Maria e sim Mary. As amizades, os lugares que passou a freqüentar, a forma de se comunicar, os gostos e preferências, o estilo de andar e se vestir, os programas de televisão, as revistas, os gestos e olhares, a inclinação do nariz, tudo mudou. A cabeça havia mudado, agora nos dois sentidos e Mariazinha, aliás, Mary, se descobria uma menina evoluída, antenada a todas as modas, modismos e tendências.
Não é minha inteção fazer julgamento de valor, seja de comportamento ou de xampu. O aspecto relevante - compreendamos - de toda esse processo de assimilação cultural está no fato de que toda, TODA a mudança comportamental observada teve origem absoluta no trabalho racional e sistemático de alisamento do cabelo, acredite quem quiser. Não foi um processo de influências paralelas e simultâneas do meio social que foram aos poucos moldando os hábitos e atitudes de Mary. Definitivamente, não. O cabelo foi, além do ponto de partida, a condição única, suficiente e indispensável para que todas as outras mudanças pudessem ocorrer.
Como esse caso é representativo da população absoluta de cabeleiras alisadas, concluímos que caso houvesse durante algum tempo uma privação dos instrumentos alisadores de cabelo, o mundo se encontraria sob a ameaça de um verdadeiro retrocesso cultural, fragilizando os alicerces da estética e dos valores de consumo modernos, cujo único contraponto positivo previsto seria o aumento de marcações de consultas em clínicas de apoio psicoterápico.